sábado, 25 de outubro de 2008

O que basta e o que não basta


Peguei numa folha. Apenas olhei. Vi que algumas páginas são escritas mesmo quando não há tinta. E pensei: vou pôr palavras no pensamento, montar frases com sorrisos e ver como seria se de fato fosse um dia. Precisei virar a página. Palavras não couberam, eram tantas em tantos pensamentos. Manhã começa cedinho num beijo enviado ao sol. Que dia iluminado! Tenho a impressão de um desenho de verão em plena primavera. Estive no cartório da zona eleitoral. Vi pessoas trazendo sóis, nuvens e alguns temporais. Atrás do balcão, atendi a alguns presidentes de seções eleitorais. Atendi a telefonemas também. Cris, amiga com frases nos tons certos de afeto, ao me ver na sua chegada ao cartório, me recebe com “oi, queridoooo!”. Abraços com candura e eloqüência irrompem pelos vários braços. Coisas de amigos que não se vêem há algum tempo (desde o primeiro turno das eleições). Trocamos figurinhas com nossas digitais ali mesmo. Assentados, trocamos sorrisos de nossas próprias histórias. Horas depois, despedi-me sem a devida aprovação dela. A conversa tava boa, sei disso. Contudo, ambos sabíamos que ainda havia locais [de votação] para visitar e preparar.


Melhor é escrever a dedo - os dez, sem exceções. Tocar e sentir as ações. Produzi-las ao vivo. Nossos cadernos precisam de páginas com impressão digital.

Dirigi-me a outro bairro na direção da zona portuária. Ao entrar em determinados locais, outros tantos abraços. Amigos, diga-se. O sol continuava seduzindo ao longe. Início da tarde e uma constatação: não acreditei quando todas as coisas se resolveram antes que o sol se pusesse atrás dos montes [aqui no Rio são tantos!]. Voltei pra casa mais descansado que na outra vez. Entre um raro silêncio e outro nem tanto, surpreendo-me com uma ligação do interior de São Paulo. Um amigo a quem não via (e ouvia) há dois anos reaparece com riqueza de detalhes. Mais palavras e muitas lembranças nossas. Amizade é uma dádiva, não há tempo – ou falta de página – que a interrompa. Penso-oro para que tudo lhe vá bem. Instantes seguidos, já absorvido por outras ações, um convite daqui de perto se aproxima de mim. À noite, reunião de amigos na casa de minha irmã. Declino com elegância. Os amigos são mais próximos dela do que propriamente de mim, embora a todos conheça. Reuniões à noite na véspera de um dia intenso (início do trabalho às 6h para toda a supervisão) não chega a ser o convite que me trará benefícios para meu descanso merecido. Continuei observando as páginas que escrevi com o pensamento, me povoei de uma companhia que não está. Nunca esteve. Quem sabe, um dia, esteja. Meneio a cabeça e, sem perceber, apago algumas linhas do pensamento. Resolvo despertar daquele processo caligráfico-pensativo. O sol enruiveceu no firmamento, tão lindo que ficou. É a tarde no momento mais festivo, o da paquera com o fim do dia. Diante dele me convenço que é preciso dar um basta à tinta que não escreve, embora encha as páginas de pensamento. Melhor é escrever a dedo - os dez, sem exceções. Tocar e sentir as ações. Produzi-las ao vivo. Nossos cadernos precisam de páginas com impressão digital. Nem todas as coisas bastam. Apago algumas linhas pensadas, mas lembro-me de Fernando Pessoa. Eu saio pra ele entrar. Sim, a sabedoria dele fica. Tantas páginas e a certeza de que a obra se completa...



Não Basta
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


...

17 comentários:

Hugo de Oliveira disse...

Você é dono de uma sensibilidade que me envolvem. Gosto de ler os seus escritos e mais, gosto de refletir sobre eles. Gostei demais desse texto.

Te desejo um ótimo final de semana,

abraços

[Farelos e Sílabas] disse...

...

Hugo:

Eu acabo sendo envolvido pela tua percepção não menos sensível. Uma candura intensa no ler-sentir, rapaz!

Continue se sentindo em casa. A sua!

Abraços-no-sentir!

...

Hugo de Oliveira disse...

É que você é um escritor como minha Clarice Lispector...você consegue ter sensibilidade consigo mesmo e isso acaba envolvendo o meu EU.

Espero poder ler seus escritos mais e mais vezes.

Boa noite!
Dorme com os anjos...viu

ladyneide disse...

Anjo meu!!!
Sinto uma imensa paz ao te ler...

Que bom, que seu dia foi bem mais tranquilo, querido!
Desejo que tudo transcorra muito bem, neste seu domingo especial!

Um beijooo!
Fique com Deus!

Anônimo disse...

Sinto-me lisongeado por ter sido citado acima....rsrs
Meu Pai-filosofo-amigo de quem nunca esqueço.
Obrigado pelo constante carinho e pela amizade sempre sincera.

Amo-te mais que as palavras.

Antonio de Castro disse...

processo caligráfico-pensativo foi a coisa mais interessante que eu já li até hoje.

e eu adorei o texto

eh de uma riqueza de detalhes...
e td taum pensado literalmente

os sóis do rio de janeiro
o momento festivo do dia...

e ainda tem o seu layout q eu adoro

xx

Rodrigo B. disse...

Engraçado que normalmente não leio posts grandes, quase sempre chatos e enfadonhos, o seu eu li, cada ponto final fica algo em aberto e a vontade de descobrir a próxima frase, sua escrita é algo que se sente, se lê com os olhos e toca na alma, deve ser as boas companhias, Pessoa que o diga! Ótima semana pra ti! Abs

Leo disse...

Produzí-las ao vivo! Sim... belas palavras. Mais que palavras, orientações prciosas.
Lembrei muito de você agora, tive que vir te contar! Acabei de assistir "Diário de uma paixão".
Você tinha razão. É mesmo tudo o que dissera.
Me fez pensar... muitas coisas! Coisas de mais para este pequeno comentário!
Um abraço

Camila disse...

Em minha cidade houve segundo turno, infelizmente não pude ir votar, pois estava trabalhando em outra cidadeeeee!
Seu texto ficou perfeito, adorei as metaforas!
Beijos

SP disse...

Misturas ternura e reflexão; bom gosto e sensibilidade e depois acontecem textos assim...

Um abraço peludo!

[Farelos e Sílabas] disse...

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Kaio:
Nunca serás esquecido. Você é uma palavra mágica!

Abraço deste amigo de sempre!

...

[Farelos e Sílabas] disse...

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Neidinha:

Ser-de-luz, ser-de-fé, ser-de-carne-e-osso,

Obrigado pelas roupas que me vestiram o texto. Teu carinho cai bem, maninha!

Domingo tranqüilo sim, graças a Deus. Beijo enternecido de cor azul!

...

[Farelos e Sílabas] disse...

...

O pequeno diabo:

Carinho é mais que um gesto ou uma palavra solitária. É sinal de tempo bom, mesmo que só restem nuvens cinzentas. Assim a gente mutuamente se lê. Eu e você!

Volte, se achar que deve, faz-me bem!

...

[Farelos e Sílabas] disse...

...

Rodrigo:

Vontade quando nasce brota e cresce pelas paredes. No seu caso, pela leitura! (risos)

Só tenho a agradecer pelos tons de amizade com que as palavras acabaram saindo da tua música (todos nós respiramos música na arte de viver!). Eu sim é que saí tocado na tua boa companhia!

Bom início de semana, Rodrigão! Abraços pra tocar mais alto!

...

[Farelos e Sílabas] disse...

...

Leo:

Olha só! Imagino como teu pensamento deve estar eloqüente depois te tê-lo assistido!

Separe cada pensamento, agrupe-os em palavras (não todas, seria uma impossibilidade), faça um resumo e ponha pingos de entusiasmo. Vamos ver como ficará o texto!

Tudo isso só pra que voltes...

Abração!

...

[Farelos e Sílabas] disse...

...

sp:

Não chega a ser uma espécie de receita, amigo. Mas há condimentos de minhas essências. A mistura a qual te referiste é sintaticamente aglutinadora do que sei, do que sinto, do que sonho...

Só me resta a agradecer, peludo! (risos) Abração!

...

[Farelos e Sílabas] disse...

...

Camila:

O que tinha que dizer-te o fiz lá no teu blog.

Espero que tenha justificado teu voto. Olha lá, heim... (rs)

Beijo em sementes de agradecimento!

...

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