quarta-feira, 2 de março de 2011

Avisando que preciso de tempo...



Sabe quando você percebe que há flores não cuidadas no jardim? Sabe quando as semeaduras, por si só, não tecem a fertilidade do solo nem trazem água pra dentro das canaletas? A palavra é quase certa que me distrai. E digo quase porque sei que já me colocou de ponta a cabeça em textos afora. Ando distraído, confesso. Mas não é difícil pensar que há uma quantidade enorme de ações pra serem executadas com palavras e significado. Tenho, literalmente, uma dúzia de excelentes obras pra serem lidas, uma a uma aguardando a sua vez. Ontem, irresistivelmente, puxei das prateleiras da Saraiva a obra “Ostra feliz não faz pérola”. Quase quinze minutos devorando a obra, de pé. Segurei-me, mas não resisti. Comprei. O ‘Farelos & Sílabas’, de vez em quando, me suspira idéias e me inspira o desejo das saudades. Saudades de quem precisa atualizar as linhas, os fatos, o prazer de parir palavras...

Há flores não cuidadas nos textos que ando produzindo, quase sempre deixando-os à margem. O tempo é curto, confesso pra minha ansiedade e meu sereno desespero. Não convenço. Não começo. Não saio do papel. As palavras me traem com consentimento. Prossigo. Persisto. Nem sempre consigo. Quem não recebe meu consentimento é o tempo, que não titubeia; que, mesmo curto, avança impávido e, às vezes, impiedoso...

Debaixo da sombra das paredes nesta selva de pedra, após os contratos redigidos, mergulhei num estudo sobre a nova ortografia, projetos traçados que o meu futuro compartilhará no momento oportuno. As horas foram engolindo o tempo e o tom de meu vigor. Umas gotinhas de cansaço molharam alguns sonhos. Ao fim do dia, voltei pra casa pensativo, dentro do metrô. Meu pensamento naquele instante estava descalço, surrado pelas reflexões. E tem estado assim ultimamente...

À noite, na companhia do travesseiro e dos lençóis, tem horas que um friozinho assopra ventinhos pra lá de gelados. Acho que já era madrugada quando meu peito e algumas necessidades vitais quase morreram de frio. De repente, lembro que o pensamento voou da cama e me recordou o último ato de “La Bohème”, de Puccini, com Rodolfo gritando e soluçando por sua amada Mimi, que morria de frio no quarto. Do lado de fora de mim, no entanto, nada se comportava gélido ou morto. Ao contrário, estávamos eu e as idéias descalças e confortavelmente vivas. Estranho tudo o que disse, mas penso que somos parte de um todo, de um grande jardim dentro de nós... Deve ser por aí mesmo! Creio que me assisti criando brotos, rasgando alguma parte de mim pra folhas novas nascerem...

Mas este mergulho pra dentro das emoções é o que me aponta a certeza do crescimento, o de me perceber vivo e produzindo novas fases dentro de mim. Este foi um tempo só meu, um tempo de certezas sendo fecundadas!

Há, porém, certezas e certezas. Uma delas é a que percorri cantos vazios e outros floridos nos meus jardins de alma. E há apelos sendo feitos tanto quanto há reivindicações justas e necessárias de um homem de quase meia-idade. E o que eu digo diante de tudo isso? “Está tudo acabado entre nós!”, como dito por Rodolfo à Mimi em “La Bohéme”? É pra ser assim?

Não, não pode ser assim!

Eu preciso conduzir a roda viva da vida por entre os cantos que aprecio e por aqueles outros não percorridos. E que se dane se atravessei os anos distraidamente, cego-de-mim, se engoli etapas, se me recusei a dançar com a vida quando mais jovem, se tanta coisa eu quis em outros tempos mais obscuros de negação de minhas verdades, se tanta coisa que não é nada se eu comparar ao que ainda pode ser e me fazer cada vez mais feliz!

Não quero terminar o texto e ficar triste ou perplexo!

Eu só peço um tempo, uma necessidade latejante de reavaliar algumas coisas, catar folhas secas e limpar as cores vivas de minha natureza. Desde ontem a idéia me persegue: eu preciso cuidar {mais} de mim e das {muitas} ações que nascem de meu ânimo e de minha esperança particular. Dessa vez até meu corpo e todo o imenso coral de testosterona que por ele canta, me pedem atenção!...

Quero dar-me tempo pra umas coisas e nem tanto pra outras. Decidi que perco a inteireza do necessário tempo nos programas de relacionamento social. Necessário pra mim, quero dizer. Não irei excluir o twitter e o facebook {tal como o fiz com o Orkut há mais de um ano atrás}, mas um afastamento premeditado e coerente com os rumos que desejo me conduziriam ao tempo que quero de volta pra mim. É um reinvestimento do tempo que me concedo. Nada muito novo, já tomei medidas assim outras vezes. Decidi que preciso de reajustes, algumas podas, uns amassos firmes!

Sair aos poucos, de fininho, à francesa, é interessante? Quem sabe... Eu ainda não sei, apenas considero.

Só não quero pegar os amigos de surpresa. Talvez, por isso mesmo, cuide pra que essas idéias germinem em palavras exatas, nada furtivo ou incoerente com o carinho que sinto pelo que faço e por todos os amigos que tenho no universo virtual. Talvez o faça para os próximos dias, quem sabe depois do Carnaval ou do sono que se perdeu na cama...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Uma crônica sem pretensão alguma de matar a sede


Sabe quanto tempo um plástico dura pra se decompor? Não sei dizer exatamente, mas é coisa de séculos! A resistência do material frente às intempéries e a todas as demais formas de erosão natural é algo que me chama a atenção. A coisa dura porque é resistente. E é resistente porque sua constituição – aquilo que realmente é desde o âmago! – favorece a integridade do material por anos e anos.

Nesse calor de matar carioca, tão acostumado aos quarentinha graus dos verões, não tenho outra alternativa senão me refugiar nos pensamentos. Eles me refrescam. É a explicação. Fico mergulhado em mil pensamentos sobre a descartabilidade e a resistência nas relações – qualquer uma, desde que humana – enquanto giro lentamente a garrafa de água mineral nas minhas mãos. O plástico, a sua textura e sua utilidade me inspiram numa série de vaivens de idéias e de algumas projeções também. Eu mesmo queria ser assim, mais resistente às intempéries por natureza. Mas não sou. Isso é bom, não chega a ser ruim. Saber que, diferentemente das garrafinhas de água mineral, preciso desenvolver meu potencial para criar possibilidades e assim caminhar por elas, acaba me pondo no meu eixo original. Ser humano é reinventar-se, é renascer a cada inconstância, é desabrochar sem perder a gana de florescer, tenha ou não tenha mais primaveras na estação. Acho que o eixo se equivale a tudo isso...

Mas nem tudo que é plástico é garrafinha. A maior prova disso está no mundo das virtualidades, o universo pra dentro do qual o limite de uma relação está a um toque dos dedos. É pelos caracteres que o programa impinge na tela que muita gente constrói seus encantos e suas muralhas. Eu, por exemplo, que sou forte, gostoso, acabei de pintar meus olhos de azul (baratinho, baratinho, graças ao photoshop!) e retocar uma dezena de imagens só pra ficar com peitoral definido, cabelinho empinado em gel e óculos rayban. Tá vendo só! Eu me pegaria, caso me desse mole. Olhando para as imagens, a imaginação instiga a curiosidade. Não agüentei e acabei pegando MSN e facebook da criatura, no caso, eu mesmo (ou o “suposto eu”). Não poderia perder a chance de ficar comigo mesmo, justifico-me. Depois que me vi de cuequinha branca numa pose pra lá de sedutora, as cabeças pensaram ao mesmo tempo e a uma só velocidade: deve ser um tesão na cama! ‘Quero você!’, me disse a mim mesmo num bate-papo pelas madrugadas. ‘Você é um carinha raro, tudo o que sempre esperei!’, reafirmei pra parecer mais convincente. Não é que deu certo!? Marcamos nosso primeiro encontro neste final de semana! Tudo transcorreu conforme o ritmo dos processos que nós mesmos construímos, alguns mais sagazes nessa caçada; outros, menos. E, casos mais raros, alguns mais ingênuos e românticos demais, coisas fora de moda na vanguarda dos relacionamentos plásticos. Que tolice! “Un non-sens absurde”, me diria a perspicaz Simone de Beauvoir. Obviamente tudo isso não passa de uma ficção pra lá de absurda. Por outro lado, absurdo ou não, a gente vai plastificando nossas relações {e nossos relacionamentos} à medida que adere esse ‘modo de existir’ como estanque às carências photoshopadas. Nem sempre somos água mineral, somos garrafinhas plásticas mesmo!

Hoje, esperando um carro na rua, encontrei-me com Fernanda. Nome fictício, claro. Não somos amigos, mas nos tornamos muito próximos pelas razões do dia a dia: a gente mora no mesmo bairro, temos vários amigos em comum e costumamos pegar ônibus juntos. Conversa vai e vem, ela me pergunta se poderia tirar uma dúvida sobre questões de direitos de herança e doação de imóvel. Tiradas as dúvidas, me conta sobre o desejo de fazer testamento em prol de sua companheira de vinte anos de relação. Explicando-lhe sobre direitos homoafetivos, nos ativemos ao ponto crucial de todos aqueles relatos: o carinho, o respeito e o companheirismo, fruto daquele amor que ardia duas décadas depois de iniciado. Tem segredo?, quis perguntar, mas desisti pela certeza da resposta que é particular de cada um. Cada um precisa saber, no mínimo, se está disposto a um relacionamento que mostre a cara {e o coração!} sem photoshop. “Sabe qual o segredo?”, ela me perguntou para surpresa de minha discrição. Gostaria de saber, respondi. “É saber que uma igualzinha a que eu tenho não encontrarei mais!”, resumiu na sua poesia de valor.

Claro que não iria esmiuçar aquela história, até porque não sou psicanalista nem teria razão pra fazê-lo mesmo que o fosse. Precisei saltar antes dela, acabei me despedindo e felicitando-lhe pela certeza de ter encontrado alguém de verdade, de carne e osso, de pele cansada e olheiras nas noites mal dormidas, de coração pulsante nas euforias e nos limites da emoção, de acertos e de equívocos que ultrapassam o desejo instintual numa madrugada e o frisson dos gemidos paridos nos vaivens dos quadris. Na pressa, na hora de saltar, esbarrei e deixei cair a garrafinha de água mineral. Ela se adiantou, segurou e me devolveu. “Cuidado pra não cair de novo!” E completou em seguida: “É assim que digo pra mim mesma quando estou nos braços da mulher que escolhi pra amar!”. Hã? Como assim? “A gente cai em tentação todo o dia, mas não é por isso que eu vou largar meu investimento mais seguro, a minha vida!”, filosofou. Ela é a sua vida?, perguntei só pra questionar. “Não, eu é que não encontro vida, vida de verdade, longe do prazer da companhia dela!”. Sorri. Saí com a garrafinha vazia mas com os pensamentos mergulhados em mil idéias. Alcei voo numa certeza enquanto atravessava a Avenida Passos, no Centro. Amores de plástico não matam a sede durante toda a estação. É preciso ser água mineral pra nós mesmos e para os outros. Com ou sem gás? Ah, isso já dá pano e letra pra uma nova crônica...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Crônicas do mundo virtual – I



Quero construir uma casa bem segura, mas não dispenso o conforto. Uma casa tão linda quanto firme, é o que preciso. Obviamente, beleza e conteúdo são decorações que dependerão apenas de meu olhar. As paredes precisam ser altas e ter bom prumo. O telhado não precisa ser clássico, mas experiência nas tempestades é uma virtude indispensável. Preciso de material para começar a tornar tudo realidade, dar forma e formosura ao sonho. Um amigo me indica coisas interessantes a bom preço. Só tem um probleminha: a quantidade de promessas “fakes” é enorme, o que exigirá paciência monástica e uma capacidade absurda de discernimento das propostas, das chantagens e até das apelações. Preocupado e ao mesmo tempo curioso, entrei. Vamos ver no que dá, pensei. Como há de tudo na vitrine indicada! Tem material que a gente jura ser sólido, mas se dissolve num simples gesto de contrariedade. Tem ainda aqueles materiais cujo mostruário é pura jura de tudo o que você estiver precisando. Eles juram que serão a melhor aquisição feita por você. Não agüentam um tranco, o produto quebra pela falta de consistência. É apenas ‘pra inglês ver’. Vi alguns outros querendo a todo custo ser peças de uma casinha feliz, bem estilo família. Pura malandragem, logo percebi. Só estão querendo sair da vitrine e contabilizar mais um 'consumidor' desatento. É, a lei do mercado não perdoa os desavisados... Pareço frio com o teor da palavra, mas ninguém duvida que para muitos pessoas são coisas. E coisas-pessoas se garantem em meras estatísticas de consumismo, coisa de gente diluída no próprio ser, sabemos. A regra é não ter regra. Se alguns não se importam em ser coisas-pessoas, tudo o mais se apequena. Rodando por todas as seções, caminhando por ‘ene’ corredores, dos mais simples aos luxuosos, a constatação é que um bom material rarissimamente se encontrará por aqui. Estoque esgotado. Sem previsão de reposição. Dei-me conta dos elementos encontrados nas esquinas da natureza, produtos que se podem olhar e até tocar por fora das vitrines. Madeira de lei, virtude que enobrece. Material sólido para uma casa firme. Elementos personalizados, únicos. Produto de incomparável qualidade. Estão lá. Às vezes, bem pertinho de nosso território. E é seguindo as setas de minha intuição que continuarei meu rumo. E meus sonhos. E minhas esperanças. E tantas certezas famintas de concretude. Tenho uma casa pra construir! Por aqui, só de passagem. E olhe lá!

Adeus, vitrines!


Nota de rodapé: estou voltando e farelando sílabas aos poucos, pegando tijolinhos e poeirinhas de pão de cada vez, montando o texto sobre meus sonhos, untando as letras com saudades e tantas outras coisas que nem sei... Há quantos meses não postava por aqui! Estou surpreso!...

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