sábado, 29 de novembro de 2008

O ser igual




Chamam-me poeta. De que versos? O das palavras soltas, caídas, sujas de terra, de gente que cai, levanta, insiste no bem, detesta o mal, o orgulho, a avareza de alma, e tem os mesmos cheiros das flores do campo? Não procuro sê-lo. Tem coisas na gente que nos pegam sem que precisemos pensar se é válido ou não. Tem dias que viver é válido. Tem dias que a queda é necessária. Tem dias que o ar entra pelas narinas até os pulmões. Mas somente nestes dias eu me percebo. Nos demais, não. Eu me entrego demais pra saber que eu existo. É nessa entrega que minhas mãos e minha cara ficam sem-vergonhas. Quando um ou outro me olha neste estado [porque aprendi que nem sempre olhamos quando olhamos], penso, o susto não deve ser tímido. Fico absolutamente enlameado com o pó desta terra, tamanho o prazer de me sentir IGUAL a qualquer ser humano consciente do privilégio da humanidade.



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Auto-exame



“A gaveta da alegria
já está cheia
de ficar vazia”

Alice Ruiz


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Chuvinha esfria os verbos da noite. As orações estão molhadas como as ruas. Ainda bem que estou em casa. Titãs me fazem companhia: “Pra dizer adeus”

Logo esta canção!

Hoje não fui assistir ao espetáculo da Árvore de Natal da Lagoa. Várias atrações. Bem em frente à janela do apartamento de William Bonner e Fátima Bernardes... Mas a chuva insistia em regar as nuvens. Pois, então: elas cresceram tanto que ficaram pesadas. Algumas, obesas, desabaram...



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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Hospital (no Rio) precisa


Informação repassada a mim por e-mail dia desses. As crianças com AIDS do HOSPITAL GAFRÉE E GUINLE precisam muito de:


- Leite em pó integral
- Creme de arroz
- Cremogema
- Alimentos infantis (em geral).

...

Se puder, se estiver pelo Rio ou nas cercanias, ajude.

“Se não tiver amor, de nada me aproveitará...”

...

As doações podem ser entregues diretamente no Hospital Gafrée e Guinle, Ambulatório da PEDIATRIA. Endereço e contato: Rua Mariz e Barros, 775 - Térreo – Tijuca, Rio de Janeiro. Tel.: (021) 2569-1620 - ramal: 253 (251 e 252) - somente pela manhã.



Concordâncias verbais


"Essa tribo é atrasada demais...”


(Uma amiga, anteontem, citando os versos de Gabriel O Pensador, quando lhe disse que a Igreja Cristã vê, na prática, putas, malandros, bêbados, gays, lésbicas e maus afamados em geral como subcategoria. Impossível tal subcategoria fazer parte dela enquanto subcategoria, ou seja, o paradoxo do discurso do Evangelho. Ela, perplexa, repetiu o refrão pra eu ouvir... considerei profético!).





“Nietzsche estava certo: Deus morreu! O Deus-projeção-nossa morreu!”


(Um amigo clérigo, anteontem, mostrando à sua comunidade como “Deus” pode ser encontrado em muitos rostos pedindo esmola nas esquinas, passando fome, encarcerado, vitimizado por vários preconceitos, desabrigado, nu e miserável).

domingo, 23 de novembro de 2008

Se a vida lhe der limões...




Exclamação:
Eu acredito na força das palavras. Um ponto, uma ação. Pontu-AÇÃO!




Interrogação:
Pra que sentar-se à beira do lago, enchê-lo de lágrimas e se afogar?




Três pontinhos:
Parabéns, pai, pelo teu niver hoje!
Se compreen-SÃO, por que não seríamos também?
A todos que me envia(ra)m e-mails, nesta semana respondê-los-ei!




Ponto final
:
Adiantando-me ao questionamento da Srª Curiosidade:
Sim, o limão é meu. Tem múltiplas cores como o alfabeto.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

No silêncio das minhas falas...


Quando falo em silêncio muitos entendem tratar-se de silêncio adequado ao outro, e não a nós mesmos. Pensar assim nos remete à razão (e à realidade, por analogia) de que o outro é sempre meu igual-desigual, ou seja, ele é meu semelhante diferente de mim. Gosto de pensar assim. O que entendo por medo, certamente, não o será para quem tenha uma fobia instaurada nos porões da psique. O que entendo por felicidade, seguindo-se a mesma adequação dos sentidos que as palavras denotam, nem sempre será o que o outro entenderá pra si. É uma questão de estrutura, de solo, de chão, de raiz – minha e dos outros. Não estou falando com as palavras acerca do óbvio relativo. Se tudo é relativo, não sei, o óbvio não me fascina. Gosto do estranho e desigual, do inerte e anacrônico. Falo do que é dinâmico, como as falas e todas as suas terminações verbais e nominais.

Quanta conjugação um corpo produz? Muitas em muitos aspectos. O gesto, o toque, o movimento, o balanço, o descanso, o ir e o vir. Conjugações metódicas. Falas retóricas. E o que dizer das conjugações sublimes, das falas tangíveis: viver, ser e amar? Certo que não serão percebidas com a mesma sonoridade no desatento e no ausente, no egoísta e no descrente. Assim como há muitos olhos, há muitos ouvidos espalhados pelo corpo. Clarice Lispector dizia: “porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil”. E não precisa ser poeta pra dizer que ela não está de todo equivocada. Fernando Pessoa, pelo prisma de suas cores, assegurava que “viver não é necessário. Necessário é criar”.

Eu não dispenso o sublime, nem me perco na incerteza dos transitivos mais indiretos. Amo amar o que me é próprio, viver nem que seja no esboço de um sonho e ser conforme o maior tamanho em mim. Tudo é muito peculiar ao espectro das cores de cada um. Uma orquestra! – eis o que os sentidos formam nos sons do corpo. A cada som uma cor na vida. E quanto mais luz houver mais intensas as cores perante o olhar e mais afinados os sons das falas. Tanto de quem se vê quanto a partir de quem olha (ou escuta).

O silêncio não poderia ser um elo desconectado dos diversos sentires. Há silêncio em toda parte. Percebê-lo já é outra história – a mesma das cores. Depende de “como” se vê. Depende de como se sente a vida. Depende do tal “qual é, neguinho, qual é?” que ouvi na repetição dinâmica do Marcelo D2.

E por que falei tudo isso? Nem curto Marcelo D2. Meu negócio é o silêncio sem repetições. Mas vejo que há razão na argumentação, seja ela em prosa ou verso. A argumentação do corpo do outro. A nossa também.

Tenho procurado alguns silêncios, mas eles não têm o poder de me impedir a nada que queira. Ontem, por exemplo, mostrei a duas amigas o que é o silêncio gargalhento. Fomos assistir “A mulher de meu amigo”. Ríamos tanto que nada nos impedia de manter comunicação. No meu silêncio, como falo! E como canto, e como grito, e como silencio!



"Amo amar o que me é próprio, viver nem que seja no esboço de um sonho e ser conforme o maior tamanho em mim. Tudo é muito peculiar ao espectro das cores de cada um. Uma orquestra!"


Imagina se conseguiria viver no silêncio sem falar! Não usar a voz até que conseguiria (com certo esforço, concordo), mas não falar? Qual é, neguinho!? Que desperdício! E quem acha que consegue, explique-me como se faz para não tocar e não sentir, pra não dizer as falas mais agudas da orquestra, como amar e ser.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pra agradecer...


de vez em quando a gente comprime o diafragma,
inspira, relaxa o diafragma e expira letras pelo ar:
“o”, “b”, “r”, “i”, “g”, “a”, “d” e “o”...
para os amigos e os que a gente ama
estrada adentro e afora.

...

Sem muitas razões pra ser, apenas pra dizer
Sei lá, eu quis. Como respirar.
Simples assim

...

No dia da consciência negra, feriado em mais de 350 cidades brasileiras
(menos de 10% das cidades neste país), o agradecimento vai com axé em yoruba!

...


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

É no repente, é de repente


Se a palavra esmaga e se agiganta, se a sílaba não alimenta nem põe de pé e a vida esbraveja letras soltas ao vento...



“É no sangue, é no povo, é no tipo, é na raça,
É no riso, é no gozo, é no gosto, é na graça,
É no pão, é no doce, é no bolo, é na massa:
É na massa, é no bolo, é no doce, é no pão”
(extraído dos versos cantados do repentista Dimas Batista)



que o caminho se refaz no passo seguinte, na volta por cima, lá de cima, onde o que é grande fica tão pequeno, submisso numa nova idéia...



Nota: Hoje, 19 de novembro, é dia do cordelista. O cordel, pra quem não sabe, é de inestimável importância na manutenção das identidades locais e das tradições literárias regionais, um grande incentivo à manutenção do folclore nacional. Entre os educadores é pacífico o entendimento que a literatura de cordel, pelo fato de poder ser lida em sessões públicas e de atingir um número elevado de exemplares distribuídos, é de grande ajuda na disseminação de hábitos de leitura e na luta contra o analfabetismo.


O ser e as bandeiras


Enquanto andava pela casa, dialogando com meus pensamentos, como de costume, os beija-flores corriam pelo quintal no assovio de palavras que não me pertencem. Isto porque nem todos os vocábulos são formadores de alguma coisa pra mim. Mas, por incrível que pareça, os assovios se transformaram em notas que instigaram o pensamento. Fui me dando conta de que hoje é dia da Bandeira. Gosto tanto da melodia do hino. “Recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil, querido símbolo da terra, da amada terra do Brasil!”. Pena que não se ensine mais os versos de Olavo Bilac em muitas escolas país afora. Dia desses qualquer farei pedidos aos beija-flores. Eles bem podem ensinar no assovio as melodias que muitos esquecemos ou que outros nunca aprenderam.


“Nossa casa é o canto mais nosso dentro do ser. As piscinas prefiro pensar que são o esplêndido no prazer, as bandeiras são os ideais e os sonhos que se carrega. (...) uma casa bem arrumada tem ares de lembranças, bom senso pelas paredes”

No dia à Bandeira, me pergunto quantas bandeiras já levantei por acreditar no meu tangível ideal, quase um idealismo absoluto como o que encontro nas idéias de Kant e Hegel, embora prefira neste caso a subjetividade do platonismo. Quantas bandeiras baixei por crer que era preciso maior articulação que a simples defesa de um princípio ou de uma idéia ou mesmo por simplesmente acreditar diferente. E fui me dando conta que não é apenas o mundo que gira ou os sentimentos que se transformam, mas a idéia também modifica e, por conseqüência, o ideal.

Não há equívoco algum ao dizer que já acreditei em contos e idéias que não corresponderam aos fatos, aquela velha história de piscinas cheias de ratos nas casas de qualquer um. Quem nunca viu? Quem nunca se percebeu assim? Nossa casa é o canto mais nosso dentro do ser. As piscinas prefiro pensar que são o esplêndido no prazer, as bandeiras são os ideais e os sonhos que se carrega. Não quero me preocupar em falar dos ratos. Só sei que são roedores por natureza.

Ultimamente, porém, ando mais sensível aos vôos dos beija-flores. Graças a eles e ao que me é palpável – o que contrasta com a essência do idealismo – minhas recentes bandeiras são pela vida e pela liberdade de ser. E já que falei em ser, me perguntaram dia desses o que uma casa bem arrumada deveria ter. Pra mim, uma casa bem arrumada tem ares de lembranças, bom senso pelas paredes, calorzinho de alegrias pueris em todo o canto e coisas simples pelo varal. E as bandeiras? A resposta segue por meio de outra pergunta: por acaso, onde é que a gente aquece o coração?

Promoção musical na Apoteose


Sob o slogan de “o primeiro show do planeta onde o ingresso é lixo” o evento Doe seu lixo por música levará diversos nomes da música brasileira para um show inédito no Sambódromo, dia 21/11, às 20h, aqui no Rio de Janeiro.

Com a promessa de ser o primeiro show pago com lixo reciclável do planeta, entrando para o ranking Brasil e quem sabe para o Guiness Book, o objetivo é incentivar a conscientização das pessoas para a questão sócio-ambiental do lixo. A coleta seletiva pode e deve ser um hábito natural dos cariocas.

Atrações confirmadas: Bangalafumenga, Serjão Loroza, Fernanda Abreu, Toni Garrido, Charlie Brown Jr, Dudu Nobre, Arlindo Cruz, Dona Ivone Lara, Samba na Moral, DJ Marlboro, Mc Marcinho, Mc Sapão, Timbalada, Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Moraes Moreira e Bochecha.

Como fazer para conseguir o ingresso: inicialmente, é preciso se cadastrar no site do evento - apenas os cadastrados participarão da promoção; a seguir, imprimir o comprovante de cadastro e no dia do evento levá-lo com duas sacolas de supermercado com papéis, latinhas ou plásticos. A escolha é sua.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Do lado de cá da liberdade


– I –

Não tenho muitos direitos, apenas os suficientes. Não quis meu banho de sol. Hoje choveu mais do que previa os homens do tempo. Não me alimentei do que me empurraram à porta; os sonhos têm sido meu prato predileto. De minha própria companhia me empanturrei nos últimos dias. No começo passei mal. Hoje passo bem. E a cada passo a estrada encurta...



– II –

Não quis as chaves das celas. Tampouco aceitei suborno. A vida é melhor aqui fora do que nos presídios da mentira. Se fugisse, morreria de desgosto. Que me tapem a boca. Ingênuo é quem limita a verdade aos sons da voz.



– III –

Não me chame pelo meu nome. Não me faça refém de mim. Se te disse que sou uma multidão, acredite! Não vês que estou muito ocupado com a vida?


sábado, 15 de novembro de 2008

Notinhas públicas de um feriado


Peguei no lápis, fiz a ponta mas quebrou. E o que acaba quebrando é a vontade. Sem problemas, anoto na memória o que queria numa folha qualquer. Ligo a TV, mas o que me dizem é que as bolsas pelo mundo também quebram. A economia mundial tá quebrando. “Que porra é essa?”, diria um personagem profético da contemporaneidade. O que não se espera é que o dia quebre. A manhã tá azulzinha, nem há falhas nas nuvens. Acabei de varrer a casa e de espirrar também. A rinite alérgica ainda me quebra dia desses. Guardei todo o material de limpeza, lavei a alma num banho de chuva artificial e cantei Roberta Sá. Nada literalmente, por enquanto. Toalha em punho, seco os fios de cabelo. Aproveito e dou uma conferida no calendário. Feriado nacional: 15 de novembro.

A proclamação é da República. A coisa é pública, portanto, res publica! Se a res (coisa) é pública, então que seja minha enquanto dure. E que faça conforme o que penso, logo existindo. Haja luz, sou o criador! E surja luz sobre a penumbra. E que se dissipem as contrariedades pra que, enfim, a unanimidade burra tão rodriguiana se estabeleça no susto.

Haveria alguma coisa mais estapafúrdia que o susto da unanimidade? Só a morte desavisada! Não é o caso, pois a coisa, neste caso, é a vida.

Telefone toca, por acaso atendo. Ouço uma amiga dizer que tá se desenrolando dos problemas das gentes, todas elas. O que ela quer, me diz, é cada vez mais ser inteiramente livre. E desembaraçada do outro, tenha o nome que tiver o outro. “Me dá uma carona nessa viagem!”, foi meu pedido.

Por falar em gente, me chamam à porta. A conversa se interrompe. A gente apaga a boca, manda beijos e tchau. Uma sonoridade de lembranças me acompanha até a sala. Sigo meu dia com ímpetos de palavras inseminadas pela idéia da liberdade. O tempo percorre as estradas dos ponteiros. Olho e confiro que a tarde chegou. Há tarefas pra serem realizadas. Desisto por algum bom motivo, qualquer um, nem sei. Corro, atropelo-me e alcanço a derradeira sonoridade de uma lembrança que ficou. Quem disse que estou sozinho? Convido-me à minha própria companhia. Será que é pedir muito? Respondo-me com olhar feliz de sobrevivência. Saio pulando pela casa. Eu me disse ‘sim’! O dia nem de longe arrasta a noite até a janela. Tudo está em perfeita harmonia. Sem rachaduras. Sem quebradeiras. Bem sei que ainda haverá tempo pra me curtir mais. Que belo dia de hoje!

...

Por falar no que é belo, notinhas pra refrescar os sons nesta manhã:


“Alarmes já pararam de apitar
O telefone celular descarregou
O aeroporto tá sem teto
E a moça da tv prevê silêncios e nuvens
A firma que eu trabalho faliu
E o governo decretou feriado amanhã no Brasil
Será que é pedir muito?”

Roberta Sá in “Belo estranho dia de amanhã



sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Conjugando historinhas vida afora


Um caderninho pra aprender a conjugar olhares. Tu me olhas e não me vês. Eu te olho e não conheço. Eles simplesmente não entendem, deixam de olhar. Um olhar, dois olhares, três olhares e... te amo! Um não-olhar, dois não-olhares, três não-olhares e...me ajude! O que vai além da pele não é o que sente, mas o que se sabe. O olhar denuncia o que se entendeu, não dá pra disfarçar. Eu me olho, não me vejo. Eu me olho e me reconheço. Quantos olhos há em mim! Tu te olhas, não te vês. Tu te olhas e te reconheces. Quantos olhares há em ti! O Bem e o Mal na soma dos nossos olhares! Nós é que “com-julgamos”: seja o diferente, o que interfere e o que se liberta. Eis o verbo, cidadão! Isso aqui é vida, é olhar gramática! Não é ensaio, pseudo-matemática! A aula acabou. Chega de lógica. O viver feliz-conjugado é antológico. De pedacinho em pedacinho as histórias se repetem. Exceto os olhares, eles nunca mais serão iguais. Os bons autores se decifram. A gente vai formando a nossa própria trajetória. E o que não se viu, o que não se viveu, deixa a Decisão reescrever numa outra ficção...



Por que te calas?


A palavra engravidou e a voz enciumou-se: onde está o som que não vi nascer? Não é um conto. É um silêncio, "o espião" de Mário Quintana.

O instante do silêncio é pura meditação, depende somente da experiência direta e da observação sem preconceito. No início deste ano estive numa palestra sobre o budismo zen, aprendendo com a Monja Coen o sentido da meditação. Não que seja adepto da fé, mas que aprendo com ela – seja ela a fé que for. De fato, não sou niilista. A vida tem sempre algo de esperançoso. Eu me pus em estado de observação nos últimos dias. Tenho me dedicado a respeitar o meu silêncio como o melhor momento eloqüente. Entre um pensamento e outro, esforço-me com maravilhosa atenção a me ouvir enquanto sossego o corre-corre dos ventos dentro de mim. Não chega a ser tarefa das mais fáceis, mas até que tô me saindo bem. Os amigos mais próximos, às vezes, nem sempre conseguem entender, questionam as poucas palavras, duvidam e, pior ainda, voam nas asas das muitas e equivocadas interpretações ao que esteja nos ocorrendo no maravilhoso instante do silêncio. Mas é um enlevo do instante. Um aprimoramento para re-encaixe de algumas peças. Tudo naturalmente necessário.

C’est la vie, me desafiam as palavras-suspiros...


"A vida humana não é diferente, estou aprendendo. Acreditar que ontem é igual a hoje é resultado de nossa ignorância e insensibilidade"

Tenho aprendido que se não nos ouvimos como veremos bem? E se não vemos bem como poderemos entender o que está nos cenários ao redor de nós – ou dentro de nós? Quando o olhar da mente é límpido, as janelas se descortinam. Vemos tudo como realmente é, de modo natural. Mas assim que os olhos se distraem, a cortina corre para o abraço da outra na mesma janela. Elas se encontram, se abraçam e se fecham. Não vemos mais. Perdemos a capacidade de ver corretamente. Sons e imagens nos atacam, nos arrastam, nos puxam. Coisas que deveríamos ver, não vemos. Coisas que deveríamos ouvir, não ouvimos. O silêncio mal interpretado também. Não é assim?

A vida humana não é diferente, estou aprendendo. Acreditar que ontem é igual a hoje é resultado de nossa ignorância e insensibilidade. A palestra da monja zen me refrescou um ensino aprendido com outro Mestre no Evangelho, o de que os olhos iluminados vêem claramente a imagem das coisas em eterno movimento e reconhecem que um instante é diferente de qualquer outro.

Movimento e diferença. Uma linearidade muito particular no caminho de cada um.

Para calar todas as demais vozes dentro de mim, o silêncio emergiu como um instante de meditação e - por que não – diálogo. Há muito o que aprender, mas meus olhos agora já vêem coisas que antes não viam...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Das lentes do meu verso


Vejo pessoas nas ruas, pelas ruas, das ruas, algumas nuas, a maioria não. O que falta é o que é. O que sobre é o que aparenta. O reflexo distorce, amplia e multiplica a imagem que era. Reflexo sem nexo. A hora voa, o minuto some e o segundo é perplexo. Tantos passos, tantas pressas, tudo tão rápido. É beijo, é aperto, é amplexo, é dor sem nexo. O ser humano é um código, mas eu não sou deus pra decifrar...



“O meu código de acesso, é imenso
É nexo, é dor, é flor
É côncavo, é complexo
É denso, é afago, é amplexo
É o ninho do verso de amor”


Zélia Duncan in “Código de Acesso”


domingo, 9 de novembro de 2008

Novembro, mês do filme nacional


Durante duas semanas de novembro, salas de exibição de todo o país vão participar de uma campanha nacional promovida pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) intitulada “Mês do Filme Nacional”. Entre 10 e 13 e 17 e 20 de novembro, os ingressos dos filmes nacionais, incluindo algumas estréias, vão custar R$ 4 (inteiro) nos cinemas que aderirem à promoção. A agência está investindo R$ 2 milhões na realização da campanha, que conta com a parceria na da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex) e da Associação e da Associação Brasileira de Exibidores de Cinema (Abracine).

Cada exibidor participante vai montar a sua programação com produções nacionais que fizeram parte do calendário 2008. A grade completa já está disponível desde 5 de novembro no site. Ao todo, mais de 300 salas de cinema de todo país se cadastraram e vão participar da campanha.

Uma ótima dica pra quem curte a sétima arte, valorizando nossos cheiros e nossas raízes. Pra mim, então, unindo o útil ao agradável (adoro promoções!), chega em boa hora para me emocionar com o filme que desejo assistir: “Orquestra dos Meninos”.


sábado, 8 de novembro de 2008

As cores de vida


O que é a vida senão seus mistérios? Neles, sorrisos, lágrimas e desencantos. Claro, os encantos também. Uma escola! Acabou de sair aqui de casa um casal querido desses que a vida nos presenteia quando menos se espera. Não os via há exatamente um ano. Moram em Cuiabá. Nada de nomes por razões que se tornarão óbvias a seguir. Vieram visitar amigos no Rio. Lembraram-se de mim. Chegaram sem avisar. Uma surpresa. Ainda bem que estava em casa quando chegaram. Fotografias tiradas antes mesmo de entrar aqui em casa. Tantas fotos que me escondi atrás das mãos espalmadas. Depois, rendido, tive que me permitir à sessão paparazzi. À contra-gosto. Em seguida, seqüência de abraços, boas-vindas e tascos graúdos de boas conversas. Dentro delas, lembranças e afetos como recheio de massa. Nostalgia como cobertura de glacê. Sorrisos como cereja pra enfeitar. A vida e seus viéses como receita pra nos questionar qualquer possibilidade... O que é de pura certeza e o que se torna incerto, diria, impossível nesta vida? Juro que não sei. Nos últimos dias confesso que tenho sabido assustadoramente cada vez menos. Quê?! Um “self decreasing”? De modo algum! É que depois de um certo tempo a gente só sabe que nada sabe. E de não-sabendo-o-que-sabe em só-sabendo-não-sabendo o aprendizado leveda...

Eles se casaram tendo um (ele) dito a outra (a ela) que era soropositivo. Isto ainda no namoro. Não houve impedimento no coração de nenhum deles. Menos ainda no dela, que não é soropositiva. Religiosos, creram nas suas convicções de que o amor realiza milagres. Eu não duvido. A vida é prova-em-si: um milagre audacioso (e inigualável) do amor. Nem a clonagem é capaz de reproduzir tamanha perfeição (no máximo, apenas a imagem; não a consciência).


"Hoje, no entanto, um sol que recusa se pôr. Foi decisão deles. Os tempos nos obedecem quando viver vale à pena."

Casados, decidiram pela gravidez. Um enredo honesto consigo mesmo pressupõe o clímax. Ela engravidou e a criança nasceu. Há mais ou menos seis meses atrás. Uma graça. Perdoem-me a estúpida redundância: uma graça desta Graça, que nos envolve o Dom da Vida. Discreto, impus a felicidade sobre qualquer curiosidade. Nada perguntei sobre saúde, tratamentos, essas coisas. Queria ouvi-los com cordial naturalidade. Estavam tão felizes que me contagiaram com tamanha perseverança e fé.

Nem sempre foi assim, pude ouvi-los. A bonança que se fez foi precedida de temporais e confusão nas regiões mais abissais do ser. Delírios e quase desistência. Solidão, medo e dor do inevitável. Hoje, no entanto, um sol que recusa se pôr. Foi decisão deles. Os tempos nos obedecem quando viver vale à pena. Por falar nisso, combinamos ao longo da semana um passeio com pôr-de-sol. Despedimo-nos. Foram-se e me deixaram numa tarde menos anuviada. Sentei-me diante do teclado, pensei com o baralho de letras próximo dos dedos e esbocei um pôr-de-sol estampado diante do que aprendi. Milagres da vida, coisas que não se repetem em qualquer um. Uma história que precisava compartilhar.

Conjugando diagnósticos




Sou um isso.
Meu viço é a vida.
Meu vício é o viver.
Amar até a palavra.
Fecundar significados.

Sou uma senda.
Um caminho só meu.
Uma vírgula na terra molhada,
sementes brotando, idéias paridas.
O vento acaricia a cortina ainda branca.

Sou uma voz na exceção.
Uma nota em fé, bem lá, a si,
a sós, bemóis, em paz, qualquer sílaba.
Uma história inacabada, o tropeço, a ênfase.
O arrepio do vento consola a cortina na janela...



quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uma parábola recontada


“Eu não possuo o meu corpo.
Como posso eu possuir com ele?
Eu não possuo a minha alma.
Como posso possuir com ela?
Possui alguém o rio que passa?
Possui alguém o vento que passa?
Possuímos nós alguma coisa?
Se nós não sabemos o que somos,
como sabemos nós o que possuímos?”
(Bernardo Soares)


Havia um homem que se dedicava a ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro era o seu prazer. O crescimento da sua fortuna lhe dava um delicioso sentimento de segurança quanto ao seu futuro. Assim, ele não gastava o que ganhava. Investia na bolsa de valores a fim de obter novos lucros e assim ter uma segurança maior ainda. Aconteceu que uns investimentos que fizera lhe deram lucros enormes, inesperados. Ele muito se alegrou e disse: “Finalmente posso parar de trabalhar. Finalmente o meu futuro está garantido. Oh, minha alma! Descansa, come, bebe, regala-te, ama...


Mas Deus lhe disse: “Como és tolo... Não és dono do teu corpo e pensas que, com esse corpo que não te pertence podes possuir alguma coisa? Hoje vão pedir a tua vida! Deverias ter gasto o que ganhaste enquanto a vida te era dada. Agora que a tua vida te é tirada, o que ajuntaste vai para outros... De que vale a um homem ganhar o mundo todo se, para ganhá-lo, deixa a sua vida no presente escorrer por entre os dedos de sua mão?

Rubem Alves, in “Quarto de Badulaques LXXV


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Transformações nos mundos que habitamos



Mudanças, quem não as quer? Gozado, mas tem muita gente que não curte mudar nada. Nem a si mesmo. São as pessoas em-si-mesmadas com o que têm ou são. Em geral, quase sempre, são pedradas. Mas mudança faz parte do processo natural de transformação das coisas. Não é devaneio algum afirmar que o homem difere dos demais animais pela capacidade de mudança do mundo ao redor.

Mudamos, ou pelo menos deveríamos mudar, positivamente o mundo ao redor. Nem sempre é assim, é verdade. A Mãe Natureza que o diga. Seu pior inimigo é justamente a ação do homem.

O mundo hoje, por exemplo, amanheceu com fatos novos frutos da mudança que se impõe na História. Os americanos elegeram o primeiro presidente negro de sua História. Barack Hussein Obama, o senador democrata. Duvido que alguém há algum tempo atrás, quando da ocupação dos EUA no Iraque de Saddam, iria crer se afirmasse profeticamente que um dia a América iria ter o seu próprio Hussein. Na Casa Branca, como o 44º presidente. Não menos interessante seria pensar, há muitos anos atrás, que este país um dia iria eleger um presidente sindicalista e torneiro mecânico. "A vida é uma peça de teatro sem ensaios", dizia Chaplin.


"Mudanças se fazem necessárias quando o mundo – o nosso mundo – pede fôlego de verdade e paz conosco mesmos."

Mas não é apenas o mundo de fora que muda. O de dentro também. Todos mudamos. Bem, todos deveríamos ter o prazer de mudar. O que aprendi é que a mudança no mundo interior afeta o mundo exterior. A sacada não foi só minha, mas de São Paulo séculos antes de mim. “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente”, ensinava o cara, convicto que um interferia no outro.

Mudanças acontecem diariamente no pensar, no agir, no sentir a vida com suas tonalidades. Mudanças surgem com as ebulições de novas idéias, algumas escolhidas a dedo para serem novos planos de vida. Mudanças se fazem necessárias quando o mundo – o nosso mundo – pede fôlego de verdade e paz conosco mesmos.

Já fiz tantas mudanças que não seria louco de contá-las. Pra quê? São inúmeras. São constantes. São vitais dentro do processo de amadurecimento e equilíbrio com a vida. Deixei tanta coisa pra trás. Deixei de curtir determinados estilos musicais e até programas de TV. Deixei de acreditar em contos de fadas da contemporaneidade. Passei a enxergar alguns sapos no lugar de príncipes. Aprendi a discernir o “ser” da “aparência de ser”, se bem que o aprendizado é constante. Tornei-me menos ansioso, porém profundamente mais sentimental. Deixei a ingenuidade do discurso absoluto, fosse qual fosse. Abri-me para a verdade-do-outro, como aprendi uma vez com Marília Pêra. Conheci lugares e pessoas que, em razão de “como” cria, eram desimportantes noutras épocas. Passei a identificar sinais de enfermidades no ser, o que, pra mim, só existiam em razão da matéria. Tanto em relação a mim quanto em relação aos queridos próximos. Descri completamente dos caminhos que estimulam a virtualidade como chão seguro. Salvando-se raríssimas exceções, hoje só piso nos solos que se podem tocar. Mesmo. O mal antes tão distante, passou a mostrar-se bem diante dos meus olhos. Nas ruas. No trabalho. Nos que se diziam amigos sem nunca terem sido. Nos que falavam de amor sem nunca terem conhecido o amor.

Vejo que mudanças ocorreram sob diversos ângulos. Isto sem falar nas quedas, nos tropeços, nas frustrações, nas paixões não correspondidas, etc. Quero ainda mudar tantas coisas hoje e no amanhã. Eu sei, eu sei, lembrei que ontem escrevi sobre o saber aquietar-se com o cada dia. Trata-se, porém, de um ideal salutar para minha própria História. E quem é que não quer o que faz bem? Sendo assim, eu quero mudar sempre.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O que nos basta no agora


Para começar bem um dia com ventura estonteante, após as ondas procelosas nos oceanos-de-mim, inquietando-me com barcos e velas, ouvi-me dizer no canto das sereias: “eu não preciso passar por isso”.

A vida vale toda a espera, seja ela qual for, aprendendo nos segundos de todas as fases a lição que um dia o Senhor das Histórias – nas palavras do filósofo Rubem Alves – calhou a ensinar: não vos inquieteis com o dia de amanhã - o futuro que ainda não veio -; basta a cada dia o seu próprio mal”.



Dedicado a todos os amigos que me amam e são correspondidos:



“Ai quem me dera ouvir o nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguém chamar por mim...”
Vinícius de Moraes





Nota: a imagem acima intitula-se “Heartbeat” (batida do coração). Autoria desconhecida. Um êxtase para quem curte o segundo-eternidade de cada gesto terno e simples.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Encontros e despedida: uma questão lispectoriana




Ontem, dia de finados. O congestionamento fica incalculável pelas ruas nas quais preciso trafegar. A resposta não sobe estranha à razão. Moro no bairro onde se concentram estranhamente quatro cemitérios, o maior do estado, um religioso, um israelita e outro com a pompa de ter sido o primeiro vertical do país. Policiamento ostensivo é reforçado. Camelôs e flores dão brilhos e cores à la Joãozinho Trinta. Mas o dia tem um ar grave pra se respirar diante desses cenários. Prefiro sair daqui, buscar novos ares fora do bairro. Caminhando, vejo no chão um desenho que parte o lúgubre ao meio. Um desenho de amarelinha, a brincadeira que não se vê mais nos pés de ninguém. Sorrio, mas prossigo. Entro no ônibus. Encontro conhecidos até lá. Aceno educadamente. Assento. Viajo. Salto. Caminho. Encontro amigos. Encontro abraços. Encontro uma notícia triste. Alguém que conheci há uns meses atrás veio a falecer. Sepultamento nesta segunda-feira. Trinta e poucos anos de existência. Preocupo-me com as causas. Amigos me respondem. Meningite. Reunimo-nos e fizemos uma prece. Adrielly, o primeiro transexual que conheci de perto. Chamavam-na “dama da cozinha”. Disseram que preparava excelentes quitutes. Nunca deles provei. Pouco conversamos, mas tenho boas recordações. Discreta – o que nunca imaginei encontrar numa “trans” para ignomínia minha –, elegante, temente a Deus e de poucas palavras. Um obliquoso antagonismo no estereótipo homicida que nos habita. Pra muitos juízos de plantão, uma imoral. “Perdida”, no linguajar da religião e de seus adeptos tão cheios de coisa-alguma-pra-deus.

Puxei uma folha qualquer na memória e comecei a rabiscar uma reflexão sobre o que seria imoral no sentir-pensar de nossos dias. Na volta, caminhando pelas ruas do Centro, preferi traduzir as palavras em idéias que não se calam diante de perguntas famintas. No silêncio, pus poesia como degelo nas tristezas. E fiz com que elas se tornassem mensagens pregadas num varal. Não que resolvesse expor minhas palavras, idéias ou, quem sabe, fragilidades masculinas. Não temo por isso. É que decidi interagir comigo mesmo. Publicamente. Tem vezes que penso que tudo se ergue tão transitório à razão. A vida. A idéia. A paixão. Quem chega e quem vai. Nós apenas conjugamos enquanto vivemos.

O verbo existe de per si. "No princípio era o verbo", assevera a epifania no primeiro capítulo do Evangelho de João. Sabedoria antiga que ensina o que a vida traz: o verbo sempre esteve presente... Hoje sou eu quem não estou para muitas palavras, sejam verbos, sujeitos ou predicados.

Em memória de Adrielly


O homem? A mulher? O em-si? O pra-si? O fruto parido? O fruto proibido? A mão na púbis? O pé na bunda? A boca no falo? O descompasso? O lapso? A tortura? O menor salário? Os juros ou as taras? A mordaça ou o fio dental? A interjeição ou o cuspe? A provocação ou a desistência? A sedução ou a fuga covarde? A nudez ou a vergonha não castigada? O homicídio ou o suicídio? A morte em vida ou a vida sem sentido? O abuso ou a omissão? O tapa na cara ou o que se faz antes? E o que não se faz quando deveria tê-lo feito? O que é imoral? Com que olhos se vê o que é moral? Suspiro. Olho as horas. Observo o semáforo. Atento, atravesso a rua. Entre tanta gente que me esbarra não há nada que me espante...

Seguindo pela rua, telepaticamente, a voz e o sotaque de Clarice surgem como chuva de papel picado:


"O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo."

Eu me agacho e cato minha resposta nos pedacinhos em branco que ainda escreverei...

...

sábado, 1 de novembro de 2008

Comercial politicamente (in)correto


Porque a palavra fala mesmo não se sabendo pra que serve. E a dúvida é eloqüente, perturba como eco. Se houvesse em mim tamanha insanidade, a ponto de não querer mais viver sem ambas, como me compreender num mundo em constante mutação?



E já que duvidar é verbo no cio...



“Posso duvidar da realidade de tudo, mas não da realidade da minha dúvida.”
André Gide






Lidando com os desafios, simples ou não


Acordar cedo. Ser pontual. Sair de casa sem café da manhã. Sair de casa sem dar “bom dia” para vizinhos. Pegar objetos com a mão direita. Gostar de celular. Gostar de strogonoff. Acostumar-me com o barulho. Falar pouco. Escrever pouco. Contar fatos sem detalhes. Detalhar sem emoção. Não me emocionar com Maria Callas. Não me emocionar com boas recordações. Não teimar de vez em quando. Não sorrir quase sempre. Não fecundar palavras. Resistir a um abraço. Resistir a um olhar-do-bem. Resistir a uma releitura.

Admitir que meu time está mal. Admitir qualquer coisa sem provas. Ficar horas debaixo do sol. Não gripar quando o tempo muda. Não espirrar quando acordo. Equilibrar-me em patins e até em bicicleta. Dormir com música nos ouvidos (me dá insônia, pois quero cantar e cantar, mas não durmo). Freqüentar baladas (mesmo que seja só umazinha). Dividir espaço com fumantes em plena atividade auto-destrutiva. Assistir apenas uma vez o filme (ou a peça) que gosto. Conjugar o verbo ficar ou qualquer outro que não venha com compromisso. Interessar-me por alguém em especial que não curta Deus. Dizer “não” para quando me for solicitada ajuda ou socorro. Dizer “sim” para quando perceber que há abuso ou perversidade disfarçados de piedade. Não me alegrar com a alegria de meu próximo nem me condoer com sua tristeza. Caminhar próximo do mal e não denunciá-lo. Não respeitar o direito alheio, sobretudo o de ser-se em paz.

E ainda poderia citar mais...


O “ter que”. O “assim como”. Lidar agitadamente com o extremo. Lidar sossegadamente com a injustiça. Não lutar a luta contra qualquer vício. Perceber opinião própria na unanimidade sem naturalidade. Entender o preconceito em quem fala de amor (aliás, entender qualquer preconceito). Assistir a um ser humano sem brio. Ou em profunda miséria, inclusive a do lado de fora. Discernir a malícia do momento-encanto. Discernir a putaria do desejo necessário. Felicitar a impetuosidade desassistida. O calar-se quando se sabe correto. Compreender os motivos da coisificação humana no ser, no ter e no jogar fora. Deslumbrar-me com a sofisticação do lado de fora. Deslumbrar-me com o coisa-alguma, o qual é o que se supõe ser qualquer coisa para fora de Deus (como se, fora Dele, coisa alguma existisse).

Mas irei parar por aqui. É o bastante. Por ora.

Bom final de semana a todos!

Sigamos em paz!


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