quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Sóis de gratidão




Acordando o coração pra tomar sucrilhos com lembranças no café da manhã, me dei conta que as páginas da agenda chegaram ao fim. Sou daqueles que pegam o calendário e dizem: mas já vai, logo agora que nos tornamos íntimos?

No entanto, 2008 nem se importa com minhas nuances à la Janette Clair. Ele, quando se percebe, foi-se. De fato. À propósito: cadê?

Agradeço por ordem cronológica ao inverso. Estou de pé após três dias com quaisquer dessas viroses anônimas - pelo menos, pra mim - que nos embalam em casacos e cobertores, mas nos deixam chupando dedo, insatisfeitos com aquelas dores todas pelo corpo (precisavam ser tantas?), inclusive no latejo irritante dentro da cabeça. Emagreci 2kg, já considero um ganho inegociável. Tudo bem, não sou homem de dramas. Se possível, teria perdido de outra forma. E sem precisar do incômodo da febre!

2008 foi uma aula com muitos sóis pra mim. Sóis de sol-(i)-dariedade! Tantas lições que me inspirariam mais textos, alguns mais inteiros que os que por aqui semeio em palavras. Cresci pra baixo e para os lados. Alarguei algumas fronteiras. Removi estacas. Levei sustos e nadei nas águas gélidas das frustrações. Mal sabia serem lições de casa. Nada se perde, diria Lavoisier. Em algumas dimensões, encantei-me com a beleza da humanidade que re-LUZ num gesto ou num bom olhar; noutras, todavia, agradeci pelo privilégio de ter descoberto que alguns seres mui próximos, sorrindo e dividindo segredos de liquidificador, eram criaturas bizarras porquanto bifaciais (duas caras pra ser mais explícito na carona do termo). Por insistir naquilo que queria ver, só fui descobrir quando os ventos resolveram ser mais explícitos, transformando-se em vendavais. Houve alguns atropelos, quase cheguei às vias de fato. O resultado é que fui parar num posto médico com a pressão lá na cobertura de um prédio de 17 andares. Era maio, quase na metade do ano. Nunca mais um sorriso e uns tapinhas nas costas soaram como antes.

Os meses foram amadurecendo com as idas e vindas das estações. Os sóis, contudo, sempre despontavam. Nem que estivessem por debaixo das nuvens… Tantos frutos foram colhidos! A cada fruto, uma oportunidade. A cada situação, uma experiência diferente (algumas novas). Diante de mim, no entanto, o encontro com os melhores terrenos férteis para crescer pra dentro e pra fora. Abraços foram muitos. Nenhum deles igual. Assim como cada manhã. Assim como a experiência de me refazer do pó da terra.

Na última colherada em pleno café da manhã, a certeza de que o milagre é possível. Quem duvida é porque teima chamar experiência de experiência. E só.

Um brinde à luz do sol!


...

Presentes pra nós


“Deixa partir
O que não te pertence mais
Deixa seguir o que não poderá voltar
Deixa morrer o que a vida já despediu
Abra a porta do quarto e a janela
Que o possível da vida te espera
Vem depressa que a vida precisa continuar
O que foi já não serve é passado
E o futuro ainda está do outro lado
E o presente é o presente que o tempo quer te entregar”



__________ Fábio de Melo, in “Perdas Necessárias”




Porque 2009 já é um grande presente!
Fé-luz-cidades!
Feliz 2009!
A todos!




Padre Fábio de Melo - Perdas necessárias (Com. Transforme em Jardins!)




Bilhetes na geladeira





Pra inspirar as novas reflexões de 2009...
Pra digerir verdades como o que deve ter sentido.
Um ponto. Um til. Um quê. Tudo tem o devido sentido.
O que não se sabe também. Só não se sabe, mas tem. A vida teima e prossegue.


E...


O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma
flor


O que você está fazendo?
Um relicário imenso deste amor




_______ Nando Reis, in “Relicário”


...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Diálogos natalinos


Ato I

O que você faz com uma garrafa de vinho nas mãos?
Esperando um balde com bastante gelo...
Se importa se não for bastante?
De forma alguma, sei o que quero...
Pensei que...
Não pense.
Mas é que...
O que dá sabor ao vinho? Responda sem pensar.
Ah, o tempo que repousa, a qualidade da uva, tanta coisa...
Sim, tanta coisa, mas o que faz diferença é a espera.
Pelo tempo de repouso?
Não, pelo tempo.
Ele, por acaso, chegou?
Ainda não...
Enquanto não vem, que tal um brinde?
A quê?
À espera!
Não, à vida!
Por quê? Cansou de esperar?
[sem resposta]
Tudo bem. À vida!
Obrigado por entender.
Feliz Natal! Gosto do teu silêncio porque eloqüente.
Alguns sentimentos não aprenderam a calar... Feliz Natal, amigo!
[dois goles fartos]
Acho que preciso ir...
Não vá! Espere!
É só o que tenho feito...
A música vai começar. Fica!
Tudo bem. É pela música. É por você.
Hoje sou eu quem faço os pedidos.
Ah, sim... E quem os realizará?
Teus sonhos mais secretos...
Desculpe, não entendi.
Não entenda. Permita-se e fica!


Ato II




P.S.: Homenagem a um amigo da Terra do Sol que reencontrou seu habitat nesta semana. Hoje, ao lado de todos que ama, curte o Natal como há algum tempo não vivia...



Ato III


Em letras, sílabas e farelos:
Feliz Natal a todos!



...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Pardais, profetas e bons olhos


Enquanto os principais da religião dividem, separando os despojos do que imaginam lhes pertencer, sonho orações de paz, salgando meus próprios universos com sentido. Pago um real pelo algodão doce azul e o devoro como quem agradece a Deus pelo preço de ser como os pardais.

Desde as primeiras redações lá na fase do primário, na escola, dizia pra mim mesmo que os pardais são a melhor expressão de liberdade. Pardais morrem quando engaiolados. Simplesmente não sabem sobreviver pra fora da liberdade. Os anos passaram como folhas. Cresci, mas continuo pensando a mesma coisa.

Diante do Santuário da Existência, celebro a Vida, relembrando as lições do profeta da Selva, Chico Mendes, que tanto amou o meio-ambiente que se doou por inteiro. Ontem, vinte anos se passaram desde que o profeta se foi pra voltar e permanecer. Ontem, apenas um sindicalista em favor dos nativos, da mata e dos seringais. Um “perturbador da ordem”, diziam os algozes. Hoje, lição no livro da escola, tema de redação para a Universidade, reserva do Governo Federal, nome do maior projeto articulado de reflorestamento, entre tantos outros frutos que se dão mundo afora.

É como numa das lições de Jesus: “se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto” [Jo 12,24].

Olho pelo vidro da janela, não vejo o caos. Há cores, muitas e variadas. Apresso-me a abrir a janela, sinto as oportunidades. Há muitos pardais contando histórias para quem está atento. Há muitos profetas em atividade.

Pra quem ergue o dedo com o peso dos anéis de sinete, não vendo nada de bom exceto os inimigos a destruir, eis uma oração cantada por um desses muitos pardais que insistem na beleza: Nando Reis. Se, ainda assim, após a leitura, o coração continuar a perder o romance na vida, resta a lição narrada por São Lucas: “Repara, pois, que a luz que há em ti não sejam trevas” [Lc 11,35].



Nando Reis - espatódea






Que tenhamos bons olhos na vida porque a vida é breve, mesmo na eternidade!

Feliz Natal a todos!

Que haja sempre lugar
pra mais um!




...

Desabraçar pra desmatar e dividir


Subindo e descendo escadas rolantes, entrando e saindo dos buracos do metrô, ora com guarda-chuva, ora sem guarda-chuva, a primavera acontece primeiro em mim. Das lições que aprendi durante a caminhada é que amor que encurta o braço pra não abraçar é qualquer coisa, exceto amor.

Lembro-me dos anos que encurtava meus braços para o que considerava “diferente”. Poucos sabem, mas já fui o pior dos cegos. Ainda, já caminhei nas estradas desniveladas da religiosidade respirando os ares fabricados na natureza dos homens, quais sejam, aqueles que vêm dos títulos eclesiais. Já tive um, mas não é disto que desejo falar. Fato é que os olhos quando cegos não alcançam a diversidade da Criação. Aliás – perdoem-me pelo óbvio –; não enxergam nada. Tateando daqui e dacolá, entre acertos e equívocos, meus joelhos trôpegos foram se restabelecendo. Inteiros. Posso dizer que a mesma coisa ocorreu com o meu olhar.

Hoje, procuro ver ao tentar compreender. Há tudo tão belo na Criação! Por mais diferente de mim e do que penso, como se faz rico o conjunto do que existe! Sim, sejam pessoas; sejam os universos que compreendem cada indivíduo. Não há cor alguma sem beleza.

E por que digo isto? Porque é bem melhor enxergar (ainda que não entendendo, de início, o que vejo) do que, assentado num alto e sublime trono, FÔRMA-tar – em alguns casos, for-MATAR – o que não quero saber como sendo o que desejo que seja.

Se até agora as letras se embaralham, confundindo a cor do entendimento, traduzirei o momento numa tela com cores fortes e absolutamente solitárias – a do vaticínio! – num sentir sem amor:

O papa Bento XVI, formatando todo o ser e sua estrutura psíquica, engolindo a própria diversidade pra dentro de um único cenário padronizado [segundo o seu olhar, evidentemente], encolheu seus braços pra não abraçar. Ele disse nesta segunda-feira que "salvar" a humanidade do comportamento homossexual ou transexual é tão importante quanto salvar as florestas do desmatamento. O mundo, portanto, tem agora um algoz contra o qual lutar... e dele “salvar” a humanidade!


"As florestas tropicais merecem nossa proteção. E os homens, como criaturas, não merecem nada menos do que isto".




"(A Igreja) também deve proteger o homem da destruição de si mesmo. Um tipo de ecologia humana é necessária". Os comportamentos que vão além das relações heterossexuais são "a destruição do trabalho de Deus", disse o pontífice em seu discurso na Cúria, a administração central do Vaticano. [Leia + aqui]

Se temos que “salvar” é porque está em perigo. Se está em perigo [em razão dele] é porque o temos como inimigo. Se é inimigo, está em lugar oposto a nós, que somos “do bem”. E se somos “do bem” [falo da humanidade], “ele” [o algoz] é do mal. E se é do mal precisa ser exterminado. Eis a divisão!

E tem gente que ousa falar que as florestas e os homens merecem proteção. Talvez seja de si mesmo, posto que o que divide é, literalmente, “diabolon”.




...

Conjugando o primeiro diálogo


- Isto é vermelho, cor de sangue, vida e paixão!
- Não! Isto é carmesim, cor da luxúria e da devassidão!
- Não, não faça isso! Há muito mais que os seus olhos dizem!
- Desculpe-me, mas o que penso é o que está certo. Você é complacente demais...


- Vejo que é a hora de pararmos. Não teremos acordo enquanto você não souber enxergar a beleza de uma cor, sequer a beleza na vida...


...

Conjugando o segundo diálogo


O viajante: E se você fosse um pintor?

O poeta: Poucas cores já seriam o suficiente. Continuou: Há vida em todas elas. No conjunto, as melhores matizes quando enxergadas com olhos sem véu. A cultura. A moral. A religião. E todos os demais véus.

O viajante: Você me fez lembrar as parábolas de um velho sábio. Pedirei licença à Rubem Alves e ressuscitarei o Senhor das Histórias, personagem de uma de suas obras. Ele diria que basta apenas a cor do amor.

O poeta: Quem ama, naturalmente, colore e acolhe...

O viajante: Quem ama não pode divergir?

O poeta: Claro. Tanto pode que diverge. Mas ama!

O viajante: Não se pode amar de uma outra forma?

O poeta: Quem ama, ama. Não há forma. Ama. Assim é que se pinta a existência com paz.

O viajante: Ah, se eu fosse um pintor...

O poeta: Eis aqui tuas mãos, os pincéis. Ame!


If I were a painter...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ventinhos ao pé da agenda



Ontem, em meio aos rios que vinham das nuvens cá pra baixo, cantarolava “Wave” enquanto me dirigia ao dentista. Para total sintonia, ao me deitar na cadeira, ouvi minha dentista cantando os mesmos versos de “Wave” em afinados tons de bossa nova. Apenas sorri com a inaudita certeza de que os bons ventos haviam trazido toda aquela inspiração... pra nós dois! O que os olhos não vêem...


Já que falei de vento...


Saindo do Forum nesta tarde, em plena chuva, passei debaixo de um pé de tamarindo. O vento brincava de pique-esconde ao redor do tronco. Do nada, trepou na copa e despencou engravidado daqueles odores de tamarindos. Segurei-o. Cheirinho de terra molhada e folhagem de mata no colo. Ah, se minhas narinas pudessem traduzir às letras o que me perfumou as entranhas! Senti-me um sabiá segurando as gotas antes do chão... Eternizei cada fungada pra quando me faltarem razões. Quando me faltam, costumo socorrer às minhas sensorialidades de moleque. Vou te contar...




"Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto."

Caio F. Abreu

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Não tenha medo do amor


Se sem amor nada aproveita, então, sem amor não há vida, pois, caso qualquer coisa gerasse vida, o amor seria apenas uma outra alternativa de vida como existência.

O amor não é romântico e nem fantasioso. O amor lida com o que é; sem ficção. Nele cabe o romance quando essa é a relação, mas suas bases são bases de verdade e realidade.

Quem ama não possui e nem é possuído. O amor não é um encontro de serpentes famintas engolindo uma a outra. Amar o inimigo é uma decisão, assim como amar a mulher que um dia se amou e se ama.

Muitas vezes ouço as pessoas dizerem que querem um amor. Penso:

Não quer amor nada. Quer apenas um Pet para possuir e ser possuído.

Afinal, quem ama não quer nunca um amor, pois pode amar a todos, indiscriminadamente.

Quem quer um amor quer uma posse, quer um objeto, quer um domínio de propriedade humana.

Cada dia mais é minha convicção que aquele que cresce em amor cresce em tudo na vida; da mente aos atos de vida verificável.

Quem quer expandir a mente deve amar, pois, somente no amor pode-se crescer para atingir o que quer que seja nosso maior potencial nesta vida e na vida porvir.


É triste ver que as pessoas creiam que o amor é apenas um confeito de bolo fraterno e humano, sem que vejam que o amor é a própria vida, e que um ser humano estará tanto mais vivo quanto mais amar com o único amor que existe em projeção eterna: o amor de Deus, que é aquele que tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta; e que jamais acaba.

O amor pode mudar de configuração conforme a relação. Porém, uma coisa que o amor não sabe é desamar. Não há mistério. Sim! Vida é amor; e quem ama está no caminho de todas as coisas.

O amor é a síntese única de tudo o que faz a existência acontecer.


Caio Fábio
(extraído e adaptado)



Visitas pra cintilar certezas


Por trás das portas centenárias despontava um salão enorme daquele castelo medieval. Passo a passo o convite se instaurava nos ecos dos sapatos. Convite para sucumbir ao desejo de entrar. Entrei. Percorri o olhar para uns assentos já ocupados. Procurei outros e, de repente, um par de abraços me cumprimenta com tímida certeza. Viro-me para outro lado, vejo algumas pessoas instaladas em garrafinhas de vidro. Não cheguei a olhar a validade. Creio que não seria de bom tom. Sorrisos foram poucos, mas alguns saíram com naturalidade. Olhos distraídos procuravam qualquer coisa pra se fixar. Nada parecia prender a atenção dentro daquelas garrafinhas. O cenário era ritualístico e enfadonho demais. O discurso altamente insosso; por vezes, apelativo para um servilismo sacerdotal que não encontrou em mim – e nos que, mesmo estando, não estavam – qualquer sentido. De repente, um chamado. Dirijo-me ao encontro de um súdito rebelado do Templo do Teatro. Foi o que me salvou daquele cenário. Assentamo-nos lado a lado. Falar sobre Teatro, literalmente, me descongestionou a vontade de sumir dali o mais rápido possível.

Fato é que...

Visitei alguns amigos num determinado lugar ao qual não retornava há seis meses. Lá, um certo desconforto. Senti-me tão distante daqueles ditos ideais a ponto de pensar-me um apátrida. Ao mesmo tempo, um refrigério me acalentava o incômodo com ares serenados de gratidão pelas minhas certezas atuais. Delas não abro mão (só eu sei o quanto me valeram à pena!). Sabe quando se faz uma longa viagem e, meses depois, ao retornar, percebe que as coisas mudaram de foco? Eu percebi que as coisas e as pessoas mudaram. Não me é permitido responder por elas se pra melhor ou pior. Sei é que eu mudei pra meu melhor.

O pensamento. A idéia. A palavra. O comportamento. Como mudamos conforme o crescimento! Seria coerente [com o significado de ser alheio] lastimar porque alguns amigos tão queridos se recusam a crescer, preferindo o lugar-comum aos desafios de uma longa viagem “na” vida? Mais uma vez, não me caberia responder senão por mim mesmo.




A despedida...

Saí daquele castelo debaixo de um tapete de chuva fina e macia. Entre acenos e agradecimentos pelas horas passadas juntos, despedi-me dos mais próximos enquanto abria meu guarda-chuva. Fui-me sem olhar pra trás.

Ao som de “Singing in the rain”, chutei poças d’água com alegria tenaz. A minha própria. Sob os arrepios da liberdade, pulei de pedra em pedra naqueles jardins que já não me encantam mais.


...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

40 anos pra não esquecer


Um pesadelo cujo clímax surgiu no dia 13 de dezembro de 1968...

Os mais novos, principalmente o segmento dos alienados nesta geração contemporânea que só procuram saber acerca dos enlatadinhos como Big Brother, por quantos países a turnê “Sticky & Sweet Tour” vai passar ou qual o hit musical do verão, talvez não se interesse pela História que faz deste país o que é. Alguns falam mal, porém não fazem a menor idéia do que era viver naquela época sem a conquista da liberdade.

O Ato Institucional Número Cinco, ou AI-5, foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar nos anos seguintes ao golpe militar de 1964. Foi o AI-5 que deu ao regime poderes absolutos e cuja primeira conseqüência foi o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano.



Entre as muitas proibições que o ato instituiu estavam a proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; a aplicação da liberdade vigiada, da proibição de freqüentar determinados lugares e do domicílio determinado. Nem "Habeas corpus" poderia mais ser impetrado pra livrar ninguém de prisão. Por falar nela, qualquer um poderia ser preso [e morto] sem ter direito de saber os porquês...

Eleições diretas, passeatas, greves, parada gay, reivindicações, liberdade de imprensa, artística e musical? Hã?! Impensável!

Pra relembrar o episódio, o Centro Cultural da Caixa Econômica inaugurou a exposição “AI(s) nunca mais – Imagens que o Brasil não viu ou esqueceu”. [Leia +] Quarenta anos se passaram. Eles não podem ser esquecidos. Se liberdade era pouco pra Clarice Lispector, imaginem não tê-la nem por um momento...

Como Miguel de Cervantes, também creio que a liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida”.



quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Significados de Cecília Meirelles


"No mistério do Sem-Fim,

equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,

e, no jardim, um canteiro:

no canteiro, urna violeta,

e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o Sem-Fim,

a asa de urna borboleta.



(...)somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim"

Cecília Meirelles

...



1ª Nota: Ontem, gratidão, amigos, ligações nutritivas e sentimentos afins. Comemorar-se o natal é sempre rico de qualquer coisa, até das que não esperamos. Falo acerca do meu natal. Hoje, “day after”, um calor em gotas serelepes brincando de escorrega pela minha fronte. Terno e gravata será que combinam com este clima abaixo do Equador? Numa sala fria e tão sublime o tom grave de um Tribunal. Eu, o cliente e três policiais militares. Uma condenação.


2ª Nota: De lá, uma viagem até um novo mundo. Encantei-me com aquele universo; na verdade, um oceano de oportunidades. Um orfanato. Para minha surpresa, dia de festa. Crianças, muitas delas. Palhaço. Brincadeiras. Eu, dentro de uma gravata, nadava pela observação pra dentro dos meus mergulhos. Dona Sidnay, a diretora, e dona Márcia, assistente social, pessoas com coração na mão. Amei conhecer a instituição “Solar Bezerra de Menezes” e o que fazem com tantas crianças carentes [ou, segundo me disseram, “em risco social”]. A razão de parar ali? Boa pergunta e duas rápidas respostas: a tangível tinha a ver com a entrega de um ofício a mando de uma juíza criminal; a intangível tinha a ver com a Providência. Uma questão de necessidade para os meus olhos, posso afirmar [pois só eu sei quais são minhas necessidades vitais]. Luz espalhada na ponta dos dedos, quiçá em todo o coração. Um desejo simples que fiz àquelas mulheres. Amei aquele lugar de oceano!


3ª Nota: 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ao falar em comemoração, não olho para governantes nem para países. Olho para pessoas, a começar pelo olhar de minha contribuição própria... O que faço, estou fazendo, irei fazer, é preciso fazer? Penso na resposta. Depois da lavoura trabalhada, retornarei com o arado. Estou ocupado na messe...


4ª Nota: Genial a evolução do texto e as sacadas com o interstício temporal em “Capitu”, mini-série para TV baseada na obra de Machado de Assis.




terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Numa data especial



Eu procuro por mim.
Eu procuro por tudo o que é meu
e que em mim se esconde.
Eu procuro por um saber
que ainda não sei,
mas que de alguma forma já sabe em mim.
Eu sou assim...
processo constante de vir a ser.
O que sou e ainda serei
são verbos que se conjugam
sob áurea de um mistério fascinante.
Eu me recebo de Deus e a Ele me devolvo.
Movimento que não termina
porque terminar é o mesmo que deixar de ser.
Eu sou o que sou na medida em que
me permito ser.
E quando não sou é porque o ser eu não
soube escolher.

Pe. Fábio de Melo


...





Eis que sou assim. Criado na conjugação-de-mim. Hoje, por razões óbvias, me percebo bem mais que na época da miopia. Não a que alguns, infelizmente, sofrem mas que um oftalmologista pode ajudar. A coisa era mais intrínseca. Um travessão sem muitas explicações. A página virou com o toque de minha vontade. Nas minhas mãos uma caneta com tinta escarlate. Sangue. Hemoglobinas. Vida em mim...

Obrigado.


...


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O alimento de nossas histórias: sonhos materializados de domingo




Final de semana com sol trazido no coração, como bem disse esses dias um amigo-mais-que-querido. Domingo, então, sem comentários. Ele despontou por trás dos montes pra cintilar luz nas paisagens que fazem desta cidade maravilhosa duas vezes. Água de côco no Arpoador, caminhadas no calçadão e nas calçadinhas, almoço com estrelas (presença querida também tem esse nome!), presentes trocados, fotos, bons humores disfarçados de “maus humores”, risos-de-nós, risos-desatadores, risos para a vida, toques, tatos, “xêros”, exposição “Nova-arte-nova”, no CCBB, muitas palavras faladas, pensadas, olhadas, até escritas. Nada disso, porém, se comparado ao privilégio de materializar os sonhos em alguns momentos – todos eles eternizados no instante que se foi – ao lado de pessoas a quem estimamos.

Hoje foram três pessoas que saíram de sua própria história para a minha. A cada uma, porém, a singularidade de páginas recém-começadas ou de obras com muitos e bons capítulos. Destas, duas são chamadas por mim como "Serginho". Ambas especiais na sua “arte”. Todas elas, contudo, profundamente acometidas pela delícia de ser amigas, cada uma a seu tempo.

Ao Leo e ao “primeiro Serginho” quero deixar o registro do finalzinho do abraço – isto porque os abraços iniciam com a vontade, ficam a maior parte do tempo presas no corpo de quem abraçamos, mas há sempre uma pequena parte que cabe na lembrança (esta, por sinal, levada conosco aonde quer que estejamos). Se soletrasse os superlativos que trago no peito, ficariam impublicáveis. A vontade era – e é – que tudo se transformasse em energia para catapultar sonhos maiores ainda em realidades pra alimentar a alma. Quem sabe... Hoje, definitivamente, saí alimentado pela presença. Sim, soletrei fatos e me percebi redescobrindo que a presença constante é necessária, ainda que no pensamento. Diariamente. Claro, discernindo com a razão que o limite é sempre “a vez do outro”. Às vezes, como hoje, o limite foi “estar-com-do-lado-de-dentro”... Sei que é feio, mas enchi a pança das delícias e dos olhares!

Ao “segundo Serginho” quero rabiscar aplausos pela brilhante palestra a que assisti no final da tarde. Suas gargalhadas me inspiraram com a energia dos grandes, não importa no que sejam grandes. Acima delas, porém, sua inteireza e vigor (pra não dizer força) na radicalidade do que significa “ser”. Ótimo saber que Serginho é-sendo. Saí daquele hotel com gratidão e oxigênio nos pulmões. Amei os altos papos tidos no término da palestra, as recordações, as experiências, sobretudo as palavras extremamente sinceras! Abraço de palavra intensa como aquelas gargalhadas!

Eu agradeço a Deus – ou lá o que desejem chamar “Amor-amor-que-é” – pelo valor da liberdade. Ser-se é tão desbravador quanto um vôo com braços abertos. Este domingo, na companhia desses que me são caros, foi assim. Braços abertos!



...


P.S.: Faltou você, Neidinha (pra mim), Neidoca (pro xêro).

P.S.2: Serginho II e Emanuel, vocês são muito gentis. Prazer foi meu ao conhecê-los!


...

Em homenagem ao azul de ontem...




“Existe cor sem forma? Boa pergunta... Não existe! Posso ser um pontinho mas também posso tomar as proporções de uma grande área de cor...”


(Extraído de uma das obras expostas na Nova Arte Nova, no CCBB do Rio de Janeiro)


...


Tarde (super) agradável em boas companhias. Entre tantos lucros, o saber-me em profuso diálogo de olhares. E mais: dia 10/12 marquei encontro com Elisa Lucinda e Maria Rezende no projeto “Poesia no Jardim da Filosofia”. O tema do debate para o qual me convidei é “A fala da poesia: o deleite da palavra”. Projeto com a curadoria da filósofa Viviane Mosé, lindamente sábia, como sempre...


...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sintaxe na vida real


Queria ser freira. Desistiu. Tornou-se professorinha de religião - catequista infantil. Alegrias pueris para uma mulher-aprendiz. Um dia, porém, o conheceu. Ele, um jovem professor. As missas não perdiam. Era lá que mais se viam. Ambos muito equilibrados nos seus conceitos de pureza. Nos canais irrigados de sangue, os corpos acendiam. No sangue, rios de vida. Como os mistérios do terço, as fases da lua e dos corpos. Nada demais senão duas geografias. Eis o mistério daquela fé! O calor. O desejo. O tesão. O encontro. O fruto da moral: a culpa. Assustados, tão infantis, se puniram. Romperam o elo daqueles mistérios. Rezas não adiantaram. Nem adiantariam; afinal, não era pra ser. Os amigos se comoveram. Era o que todos mais queriam para eles. E eles queriam?



Ela, perdida nas dúvidas, procurou-se nos anos seguintes. O melhor de tudo, encontrou-se. A melhor amiga lhe ofereceu o peito. O calor mais puro que a moral. Ela aceitou. Confusa, se confessou. Absolvida pelo desejo, se entregou. À amiga perguntou: somos amigas ou amantes? Entre, vamos conversar. Ela entrou...




Conheceram-se num madrigal. Ele a ouviu cantar. Ela o ouviu declamar. Apaixonaram-se. Naquele jardim tão bem cuidado felicidade crescia. Na estação própria um filho lhes nasceu. O lar sorriu até que ele perdeu o emprego. Não durou muito ela o vitimou. Introspectivo, depois de todas as respostas, emudeceu. Tempos depois, um novo amanhã e um novo emprego. Apenas uma fagulha de sol. Pouco a pouco tudo esfriava. A cama e a poesia não declamavam mais rimas. Sequer gemidos verdadeiros. Sombras noturnas cobriram o jardim. No emprego se firmou. Amizades construiu. Um amigo em especial. Histórias parecidas. Nos diários revelados uma poesia pelo olhar. Versos de tão parecidos, germinados iguais. Sob aquelas folhas, uma camada de tinta original. Feliz, reconstruiu-se por dentro. Por fora, a aparência do mesmo cenário. Aparentemente, nada diferente. O filho, no entanto, o maior tesouro. Do casamento apenas uma folha perdida na gaveta. Poeiras também...



Três anos se passaram. Seus versos cada vez mais iguais. Suas camadas de tinta, mais e mais originais. Certo dia, ergueu-se diante da janela do quarto. Abriu as cortinas. Convidou os feixes de luz. Retirou todas as peças de roupa. Ficou apenas com a sua própria. O seu “eu”. Pegou a moto e partiu. Descobriu que continuaria a ser com ou sem casamento. De fato, como sempre o foi, é...




terça-feira, 2 de dezembro de 2008

No dia nacional do samba


============================


Porque meus tons se unem às notas, choram na cuíca e suspiram com o dia que passou. Hoje, aprendiz-de-mim, peço passagem aos bambas da cidade. O meu samba é a evidência de meus próprios pés descalços. Sujos no pó desta terra, porém, meus. Como demorei pra me despir!...


============================



Maria Rita - Samba Meu

Related Posts with Thumbnails