quinta-feira, 22 de julho de 2010

Meus heróis morreram de “overdose” (de talento)


Numa semana em que me entristeço com tantos fatos que se entrelaçam com o cotidiano da cidade e do país, tento destemperar a existência com os episódios mais recentes dos noticiários. E antes que alguém suponha que destemperar é abstrair, afirmo que não. É retirar o excesso, o que desequilibra. Casos de bullying em várias cidades. Assassinatos do lado de fora das janelas de nossas casas. Atos covardes em toda a parte. Crescimento do fundamentalismo religioso nos cenários do Poder Político. Intolerância gerando desamor sob vários graus. Oquidão dos seres que se coisificaram tanto que, de tão fúteis, nada restou.

Enfim, o cenário não é de chuva, mas também não é de céu de brigadeiro. É de realidade mesmo. Com toda a expressão de seus matizes.

Pensando nas coisas boas que me transportavam para os melhores anos, revisitei a memória à procura de coisas ou pessoas pra recordar. Lembrei dos cadernos de poesia que escrevia aos montes na adolescência. Lembrei das pilhas de livros que faziam parte de meu cardápio diário (literatura nacional e estrangeira). Engraçado, não sei por que mas adorava livros de auto-ajuda). Lembrei dos ratinhos brancos que criei. Lembrei da febre pelos álbuns de figurinhas, fosse qual fosse. Lembrei dos programas de rádio nas ondas curtas e das correspondências que recebia de amigos de várias partes do mundo. Como estarão hoje em dia? É apenas uma perguntinha retórica sem muitas pretensões...

Pois, então. Neste embalo saudosista, esta semana me lembrei com uma puta saudade dos 21 anos de partida do Laurinho Corona. Vivia meus idos de adolescente quando o vi partir. Era um ator carismático, sorridente e dotado de uma beleza que *#@! encantava a muitos, senão a todos. Excelente profissional, fez par com excelentes atrizes contemporâneas. Dancin’ Days (1978), era par da personagem de Glória Pires. Em 1984, se não me engano, fez o personagem Rodrigo em Bete Balanço, par romântico da personagem de Débora Bloch. Mas foi nas telenovelas que se destacou. Marina, Baila Comigo, Elas por Elas, Louco Amor, Corpo a Corpo e Direito de Amar. A última foi Vida Nova, de 1988, no papel de um imigrante português que namorava uma judia brasileira, interpretada por Deborah Evelyn. Além das novelas, gostava bastante do programa Globo de Ouro, que ele apresentava nos anos 80.

Laurinho foi uma das primeiras personalidades brasileiras a morrer de complicações decorrentes do vírus da AIDS. O personagem na novela Vida Nova teve um final apressado com uma viagem para Israel, por causa da doença do ator. A última cena mostrava um carro preto partindo numa noite chuvosa, ao som de um poema de Fernando Pessoa, declamado em off pelo próprio ator.

Os boatos de que estaria com AIDS surgiram em janeiro de 1989, quando pediu afastamento de Vida Nova, na qual era protagonista, alegando estafa. Voltou dois meses depois, muitos quilos mais magro e com uma visível queda de cabelo. Logo em seguida mudou-se para a casa dos pais, isolando-se até mesmo dos amigos. Quando o estado de saúde piorou, foi internado, mas os pais proibiram o hospital de dar qualquer informação à imprensa sobre o estado de saúde do filho.

Depois de nove dias internado, partiu... e se eternizou em nossa memória. Um ano após a partida de Laurinho, foi o poeta Cazuza quem partiu em condições semelhantes... Poderia parar por aqui, mas aqueles idos me deixou órfão de heróis vestidos de humanos talentosos. Um ano após Cazuza, foi a vez de Freddie Mercury, astro iluminado do Queen nos deixar...

As constelações foram aumentando sobre nossas cabeças e, paradoxalmente, se silenciando nos céus de nossos tempos, nos idos de minha adolescência e início de juventude...

Hoje, são todas elas (as constelações) mar de doces lembranças. Isso pra mim é reequilibrar o caldo da existência com bons temperos. Por mais que meus heróis tenham morrido de “overdose” de talento e por mais que meus atuais inimigos estejam no Poder, meu mais insistente desejo é sempre trazer à memória o que pode me dar esperança!




Notinha de rodapé:

Por falar em esperança, começaremos aqui no Rio de Janeiro, no projeto Betel, uma série de encontros com candidatos a cargos eletivos que defendem programas em prol da diversidade. O primeiro deles será o Jean Wyllys. Portanto, quem estiver pelo Rio, não custa aparecer na Praia de Botafogo, 430, 2º andar, domingo, 25/07, às 17h30. Apareça(m)! Quero dar um abraço nos meus leitores por lá!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Meus sentires nesse retorno



Vai me ver com outros olhos ou com os olhos dos outros? (Leminski)

Um mês e meio se passou. As palavras não emudeceram, saibam disso. É que tem horas que a gente cala pra se ouvir mais. Por outro lado, há tantas formas de se fabricar uma palavra. A escrita é apenas uma delas. O caracter é outra na dimensão informatizada. Há palavras que não se dizem, mas se percebem. É nítido. É evidente. Quantas vezes disse tantas palavras em meio ao burburinho de apenas-olhares!... Calei-me por aqui, nessas terras, mas me fiz ouvir em outras. O twitter é só mais uma delas. O e-mail [como tenho usado ultimamente!] é outra terra que frequentemente recebe as pegadas de minha presença e de meus suores...

O fato é que estive ausente de um canal que me fascina e por intermédio do qual tantas portas se abriram. Portas de entrada para gente do bem. Semeadores de vida na vida de quem os lê. Assim é que sinto o clima “humano” na blogosfera. Falava dia desses com amigos a respeito do sentir a humanidade. Aliás, ontem também falei numa aula em pleno domingo. Sentir a humanidade é pra quem tempo de ouvir o outro. Às vezes soa contraditório falar exatamente disso dentro de uma perspectiva no planeta “world wide web”, fica meio raso, sei disso, afinal, a internet é um mundão sem porteiras. Pessoas entram e saem tais como as informações. Costuma-se não ter tempo para ouvir. As usual as natural... Mas, convenhamos, o contraditório está em nos fazermos gente que para e ouve em meio à multidão que apenas passa, não semeia nada porque não traz nada para oferecer ao outro.

Tenho buscado sentir o outro na sua dimensão histórico-sócio-cultural. Minha pretensão é tanta que diria ser um exerciciozinho de amor pela humanidade. Tudo bem, ando meio que abusado ultimamente. Não é nada premeditado. Acontece. Por outro lado, não é olhar o outro com quaisquer outros olhos. Não! Já vivi isso numa parte de mim que se foi com um novo florescer de idéias e de transformações no ser. É olhar com vontade de entender, acolhendo, ainda que. E quando falo em acolhimento não afirmo que concordo com tudo o que olho e entendo (ou não). É apenas lançar um bom olhar sobre o outro, de modo que ele não seja “o inferno” de Sartre nem o “lobo” de Hobbes. Seja apenas o que é pra mim, o que fará toda a diferença.

No entanto, olhar o outro com os olhos dos outros é o que fomenta o mecanismo sórdido das nivelações de um humano para outro. Aqui, pelo licença aos desavisados para me referir às nivelações que nutrem o “status quo” do universo dos preconceitos. Apenas para ilustrar o que acabei de dizer, na semana passada meu amigo Márcio Retamero – que lançará seu segundo livro daqui a duas semanas -, dizia num editorial: “reduzir a pessoa humana à sua orientação sexual é de uma violência atroz! Dia desses eu lia uma manchete de um jornal do nordeste: ‘Gay em Alagoas é morto’; nunca li: ‘Heterossexual carioca é preso’, ‘Mulher heterossexual paulista é assassinada’. Por que reduzir uma pessoa à sua orientação sexual? Porque o preconceito usa dos rótulos para denegrir, reduzir e rebaixar socialmente.”

Então, pra mim, que sou um carioca tão limitado e com tanto caminho pela frente a percorrer, que, embora tendo caminhado até aqui em segurança, já foi vítima de preconceito e do que atualmente se convencionou chamar bullying, já foi traído muitas vezes por mim mesmo (porque o outro, o qualquer outro, apenas foi o que foi pela minha desatenção em não observar que o mundo não é um eterno comercial de margarina e que pessoas nem sempre falam com palavras, mas com pequenos gestos, ou seja, na perspectiva da lição ensinada pelo pedagogo Jesus quando afirmou que “pelos frutos os conhecereis”), ter mudado radicalmente minha maneira de pensar o mundo, a vida, as pessoas e sobretudo a mim mesmo – a tal “metanoia”, palavrinha traduzida por “conversão” – é que me estimula a percorrer neste caminho, caminhando com vontade de aproximação. É o ter tempo para ouvir ao qual me referi no início dessas palavras. É o construir pontes, e não muralhas, conforme li na obra de Colin Higgins, “Ensina-me a viver”, clássico dos anos setenta que acabou virando peça de teatro e filme.

Gozado que escrevi tudo isso em meio a um ar de ceticismo pelo desenhar das nuvens que anunciam um temporal daqueles. Sim, pesquisas indicam que a próxima legislatura no Congresso Nacional tende a ser a mais fundamentalista de toda a história, considerando o avanço do fundamentalismo religioso que se candidatou nos TREs (tanto nos que concorrem pela primeira vez quanto nos que desejam se manter em seus cargos eletivos). Num próximo texto explicarei melhor as minhas razões. De antemão, saiba-se, é legítimo que um fundamentalista se candidate e seja eleito. Entretanto, não é legítimo que faça de sua legislatura uma orquestração para olhar o outro com o olhar da religião, a qual sempre divide [pois só o amor constrói, liga qualquer coisa!], impedindo que muitos avanços alcancem uma parcela da população da qual faço parte. Mas, no final das contas, penso que tudo isso apenas sirva como [mais uma] lição para eu aprender a ter cuidado com meu olhar, sabendo que “não se colhem uvas dos abrolhos”. É o que disse, sou apenas um aprendiz com muito o que caminhar pela frente...


Notinha de rodapé:

A imagem acima foi proposital. Busquei a autoria para a questão dos créditos, mas não a encontrei. Achei-a provocativa num texto que li, no original em inglês, falando sobre impressões equivocadas que temos sobre algumas coisas que apenas aparentam ser. Mas não são. Ou, quem sabe, são muito maiores que a imagem. Reduzir o que alguém é a uma imagem é coisa de publicitário. Não deveria ser assim no cotidiano. Jefferson Lessa, no brilhante texto Medo de ser, publicado ontem no jornal O GLOBO, fazendo referência ao bullying pelo qual passou, traduz o cotidiano como feito de muitas e pequenas coisas que deveriam ser levadas em conta (ao invés de um rótulo). É por aí...

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