sábado, 31 de maio de 2008

Desigualdade e intolerância: um pedido a favor do ser humano em Gâmbia


Recebi um e-mail ontem que me deixou preocupado. Um amigo religioso, líder de uma determinada comunidade de fé, repassou para seus contatos uma informação que carrega o grito dos seres humanos excluídos.

Em 18 de Maio, domingo, após um alerta para que os gays e as lésbicas deixassem o país em 24 horas, e citando um esforço de fazer da República de Gâmbia, na África Ocidental, "um dos melhores países para se viver", o presidente Alhaji Yahja A.J.J. Jammeh ameaçou decapitar qualquer pessoa homossexual encontrada em seu país.

Ele prometeu uma "patrulha em massa" para "separar os maus elementos", e fez ligação da homossexualidade com o tráfico de drogas e o roubo. O presidente prometeu duras conseqüências para as pessoas homossexuais que permanecerem no Gâmbia e ameaçou punir qualquer que fornecer apoio ou abrigo para essas pessoas.

Mais que uma notícia triste, carregada de intolerância, mostra-se uma violência em si pois nega ao ser humano o direito à existência. Sim, não sendo quem se é, como ser então? É como se as estrelas no firmamento não pudessem mais brilhar, pois, por alguma razão considerada nas leis daqui de baixo, só o sol pudesse irradiar sua grandeza e luz.

Meu amigo, então, pede para que algumas ações sejam tomadas pelos que se sentirem preocupados (e até indignados) com a proliferação do ódio subsidiado pelo próprio Estado. Aponta três passos: 1º) escrever para o governo de Gâmbia, pedindo não sejam incitados o ódio e a intolerância em seu país se, de fato, quer que seja “um dos melhores países para se viver”, mas sobretudo para que respeite a Declaração Universal dos Direitos Humanos que chama todos os governos a permitir que seus cidadãos vivam livres de ameaças, coerção, intimidação e discriminação; 2º) escrever para as Nações Unidas, mediante e-mail para Louise Arbour, Alta Comissária de Direitos Humanos, no endereço civilsocietyunit@... [servidor das Nações Unidas], explicando-lhe que a situação no Gâmbia é urgente e exige que as Nações Unidas tomem medidas para proteger os direitos humanos das pessoas GLBT naquele país; 3º) repassar a informação aos amigos e comunidades religiosas para se unirem nesta campanha. O lema nacional do Gâmbia é "Progresso, Paz, Prosperidade". Nada avançará o progresso até a paz e o bem estar humano mais do que nosso compromisso comum com os princípios básicos das Escrituras que reverenciamos nas nossas diferentes linhas de pensamento religioso ou fé. E um desses princípios mais básicos é o "Não matarás". Não há exceção.

Não bastassem as informações que este mesmo amigo me passou há cerca de uns três ou quatro meses atrás sobre a perseguição em massa da população na Jamaica contra os seus cidadãos gays e lésbicas, cometendo assassinatos a sangue frio, seqüestros e torturas de pessoas homossexuais – sim, bem aqui ao lado, na terra do reggae! -, agora me surpreendo com a disseminação da intolerância também em outra nação. Triste quando a questão, por si só vergonhosa e absolutamente na contra-mão da lei que vale no Reino de Deus, nasce como ato rechaçado pelo próprio Poder Público.

Onde andará a paz? Ei-la ali ou acolá? Se "o Reino de Deus está dentro de vós”, nas palavras de Jesus conforme registra Lucas 17, o que também quer dizer que está em mim como exercício livre de uma consciência que me chama à participação, caberá a mim todos os esforços possíveis para que, no que depender de mim, os limites deste reino no qual impera o profundo respeito pelo meu próximo (o ser humano seja ele quem for), sejam alargados por onde eu andar. Ta bom, to sendo utópico por demais? Porém, se não for, as pedras serão convocadas a clamar em meu lugar. Penso que este dever não é tão difícil a ponto de permitir pedras cumprindo-o em meu lugar...

O silêncio é igual a morte!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A arte de semear estrelas - Frei Betto


Em noites estreladas, na ermida em que se refugia para se deixar enamorar das palavras, H. se debruça na janela da alma. Grávido de verbos, espalha os olhos pelas alamedas siderais e pressente o sagrado. Entrega-se a sedução da Palavra. É um sentimento de pertença que transcende todos os limites. A noite escura se lhe faz incandescente. A centelha arde em seu coração e transfigura-lhe o olhar.

Deus irrompe delicadamente. Aquece as entranhas de H. e, atrevido, disfarça-se no espaço cósmico com a Cabeleira de Berenice, faz-se criança escorregando nos anéis de Saturno, monta na garupa do cavalo de São Jorge quando a Lua mingua cheia de pudor frente aos encantos do Sol.

H. cultiva em sua ermida vasto canteiro de palavras. Cuida atento das mudas para que um dia se tornem vozes. Delicia-se em plantá-las, regá-las, vê-las brotar. Aduba a horta de substantivos e poda, todo mês, a de adjetivos. À sombra das copas dos verbos, seleciona os pronomes e enxerta vogais nos caules das consoantes. Colhe as palavras quando maduras, prenhes de significados. Verdes, arrancadas antes do tempo, elas são ácidas, inconsistentes.

Debruçado na janela da alma, olhos derramados nos abismos do Universo, as palavras se calam em H. Dilatam-se os buracos negros e ali dentro, uma a uma, as partículas elementares fulguram como grãos de ouro. Ele é capaz de distinguir a urdidura dos fótons que tecem a luz. Observa o trio de quarks em vertiginosa carreira em busca de seus ninhos energéticos. Tudo resplandece em mutações incessantes. Seu olhar comtempla o corpo luminescente da Via Láctea. Súbito, é arrebatado à dança das estrelas, cujos planetas gravitam ao ritmo gracioso de meninas brincando de roda.

Ao retornar a si, H. é todo coração. Um cordão de galáxias cobre-lhe o plexo solar. Nele o Cosmo lateja. E dentro de seu silêncio brota a Palavra que imprime significância a todos os vocábulos.


Nota: O texto foi tão inspirativo que vim registrá-lo com meus agradecimentos à amiga Neide, que me enviou.

domingo, 18 de maio de 2008

III Rio Harp Festival: eu fui

Acabei de chegar. Melhor dizendo, cheguei, atendi a um telefonema, belisquei uns quitutes, provei-os e vim ao PC. Inspirado. Música clássica sempre inspira. Sério. Fechei os olhos no teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil assim que o concerto iniciou. Solista italiana, Gilda Delttori. Platéia lotada. Algumas personalidades do mundo das artes presentes. Viajei pra dentro de mim, aproveitando a carona das notas musicais. Sons das cordas da harpa. Viagens assim, por vezes, a gente se emociona. Faz parte. Depois troquei algumas figurinhas com uma amiga que me acompanhava. Conversamos mais um pouco enquanto visitávamos o salão de chá. Saímos satisfeitos com o programa. Segunda-feira passada (12/05), estive num concerto com violinos e harpa. Esplêndido. Semana que vem me convidarei à Sala Cecília Meirelles para ouvir a OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira). Vivo um instante de apaixonamento pela música erudita. É a companhia que decidiu me acalentar os sonhos do futuro neste presente. Não sou de recusar boa companhia, imagine uma dessas...

Fraqueza que descansa em fé


Pois quando penso que sou fraco, aí é que sou forte. Não depende do resultado de minhas ações mais diretas. É atípico a isso. Eu nada faço, além de pensar que estou dentro do processo de descanso. Considerando que pensar já é uma ação, nada faço sequer como variante de qualquer pensamento que tenha gerado com minha autoria. Não sou forte nem nos pensamentos. Sou apenas um ser pensante que ousa caminhar por fé, o que vale dizer, botar o pé no nada. E mais que isso: descansar em saber que há Alguém que cuida de todas as minhas necessidades. Não como Aquele que faz pra que eu nada produza, sequer gratidão. Não é isso. Descanso como reação a uma ação inicialmente Dele na minha direção. Descanso como fruto gerado de um viver que realiza o dom de cada dia sem as neuroses do momento seguinte. Basta-me o próprio mal do dia. Quanto a mim, caminho-respiro no chão da existência com nenhuma pré-ocupação tardia (ou doentia) quanto ao que virá no amanhã. Descanso como amorosa reação a uma confiança que nada mais é que a certeza de que sobre mim existe o Tudo. Eu caibo no Tudo, ainda que nada sendo. Descanso. Confiança. Cada dia vou caminhando com certezas em cadeia. “Pois tu és o meu refúgio, Senhor, uma torre forte” (Salmo 61,3).

Foi pensando Nele que me vi fraco-forte como estou. O que me basta é o instante do “hoje” como possibilidade real de desfrutar descanso. E que seja em todos os momentos-desdobramentos desse mesmo “hoje”. Isso é mais um barato da fé. Coisas pra papear noutras oportunidades.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Onde estiver o teu tesouro, aí também...

No dia 1º de maio, o dia do trabalho (por que não o do trabalhador?), pensei como expressar tanta coisa que alcancei em termos de experiência no conhecimento das relações humanas. E falo isso porque trabalhei onze anos com o atendimento ao público, mergulhando na privacidade de muitos clientes que procuravam não apenas o advogado, mas muito mais vezes o terapeuta. Teve muitas vezes que me senti o vigário, o pastor, sei lá, pois tudo o que fiz foi apenas ouvir e mostrar um pouco do que aprendi, mesmo não sendo tão maduro quando comparado ao Monte Everest e ao mesmo tempo nem tão novinho quanto a um pé de alface.

Estive por onze anos trabalhando numa organização não governamental. Hoje foi meu último dia de trabalho. Desde o início da semana reorganizei folhas e pastas com tantos documentos que, de tantos, somam-se a vários sonhos, desocupei gavetas como quem guarda os melhores momentos que outro não contaria e retirei muitas lembranças dos pequenos gestos. Porta-retratos foram fechados para descortinarem-se sob novos ares. Trinta fotografias foram delicadamente retiradas sob a tampa de vidro de minha mesa. Estavam ali há anos. Certo que aumentavam, ano a ano. Sei disso. Faziam parte de meus momentos e de minha história.

Hoje, por sinal, o dia do trabalho, presidi a comissão eleitoral que organizou o processo de transição para novos diretores da tal organização que falei no parágrafo anterior. Houve apuração de votos (porque se deu por eleição), palmas e felicitações para os que chegam a fim de contar a sua própria história naquele lugar. À noite, lá pelas dez e meia, voltava pra casa. Nas mãos, a ata que eu mesmo aprontei, uma caneta que esqueci de colocar dentro da mochila e um punhado de “flashes” – ou “insights” – sobre os melhores momentos que vivi. Se sorri ou se chorei, fato é que o trabalho não pára. Não é apenas o tempo de Cazuza, não! Hoje nem deu pra ir ao Tim Festival, em frente ao Copacabana Palace, na comemoração dos 50 anos (não vividos) do poeta. Mas o dia não permitiu àquele investimento. Meu tesouro estava em outra direção. E fui redescobrindo que, de fato, ladrões não podem escavar nem ferrugem corroer o valor de uma amizade sincera, do senso de justiça que faz da injustiça o caminho de morte para quem nele teime em andar, dos sorrisos felizes e soltos como fôlego depois de qualquer corrida, das pessoas cativantes que te olham nos olhos pra mostrar apenas que são luzeiros-aprendizes como eu e você, da vida que só é vida quando faz sentido pôr sentido nela (e quem me conhece sabe acerca de Quem falo), do amor que é maior que qualquer coisa, portanto, maior que a vida, pois ela sozinha não preenche o amor (e sim o amor que preenche todas as dimensões dela), entre tantos outros investimentos. Sim, investimentos. São tesouros. E dependendo aonde levarmos e para onde aplicarmos, creia você ou não na ‘lei do retorno’, será o melhor investimento.

“Mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam”, disse Jesus.

Sempre foi assim! Basta crer, tomar a iniciativa em investir e esperar – sem pressa - pelo extrato. Pode conferir!

Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

Related Posts with Thumbnails