quarta-feira, 28 de março de 2012

Crônica dos sonhos que não vivi e...


Dentro de uma garrafinha cabe tanta coisa que até um desavisado acreditaria. Fiz a experiência ainda há pouco. Tudo bem, fiz a mesma experiência momentos antes do instante que se passou; aliás, tenho feito já há certo tempo. Pra meu alimento, a esperança de viver todos os dias de forma única, de modo que cada dia carregue consigo um sabor próprio, se desdobra numa força-motriz que mexe com as pernas e produz passos distintos e de cada vez. Um dia não carrega as mesmas impressões que o anterior por mais que o olhar se turve, ensina a sabedoria dos simples. Quem é que se desespera com o amanhã quando se faz do agora uma certeza risonha?

Uma certeza é uma pérola achada. Uma verdade pessoal pode muito bem servir como desdobramento da esperança que se crê. Tem verdade que de tão introjetada na pele da certeza acaba robustecendo o alimento-fé. Rezam as cartilhas das tradições mais antigas que fé é um dom, o dom de acreditar mesmo quando todos os cenários reais se mantêm inalterados. Intactos. Desfavoráveis, por um ponto de vista. À vista de todas estas coisas, porém, maior que o dom que falei e a própria esperança que amadurece no pé, avisto pra dentro de mim um pé-de-amor. Dizem que é árvore difícil de se cuidar, mas eu não acredito em todas as coisas só porque me disseram. Afinal, a sabedoria da verdade é como tesão. O que pertence ao universo do outro é do outro. Bem, nem sempre é assim. Quem sou eu pra julgar os interesses alheios, mas há que se pensar nas muitas possibilidades de evitar o inevitável. No entanto, ao cabo de um tempo, tudo em vão. Inevitável é inevitável, assim como amor é amor em qualquer língua, corpo e paixão. Não gostaria de abrir parêntese algum. Não creio que se deva fazer correções quando se tempera o texto com a palavra amor. Amor é amor e ponto final. Ou não. Há reticências também e muita continuidade pelo tempo afora.

Nem todas as coisas são previsíveis, eu sei. Há coisas que nos acometem sem que esperemos. Quantos não receberam visitas inesperadas? Quantos não abriram correspondências sem saber direito acerca do remetente? Quem nunca teve a estranha sensação de ter sido observado para além de um simples olhar na rua? E se eu começar a falar de sentimentos, fu...! Deu e dará pano pra muita manga, das verdes às maduras. Esperar tem lá seus encantos (eu que o diga!), mas nem todas as coisas se esperam que aconteçam no exato momento da chegada do Senhor Tempo, o Mestre da Razão, aluno dileto na Escola-vida, matriculado desde sempre e com as melhores notas. O que, particularmente, anoto bem embaixo das sombras do pé-de-amor são algumas certezas bem pessoais, mas não posso contá-las todas. Indiscrição não é meu forte. Sou fraco para algumas coisas, sobretudo as que me fazem bem só de saber que existem. Todavia, segredo não é apenas uma senha. Pode ser também uma troca de olhares correspondidos mas que não se pode fazer alarde. Silêncio algumas vezes é imperativo à própria sobrevivência... Não é bem pela inveja, se bem que ela é uma merda - é como intimidade, às vezes! -, talvez muito mais pela incerteza do que se poderia interpretar fora do texto.

Viver é como escrever um texto com linhas muito estranhas e nem sempre retas. A interpretação que mencionei no parágrafo anterior tem a ver com os enredos já construídos, anos antes, por outros protagonistas. Você, eu, cada um de nós pode ser um travessão no texto. Nada que se explique, mas fica lá. É notório. No entanto, imprevisível. Você anda descalço pelas areias molhadas da praia e sente o carinho das ondas beijando os dedos mínimos depois de ter beijado todos os outros. É algo diferente. Mais ainda quando o instante se parte em mil pedaços, daí alguma coisa aparece boiando na mente. Não, no olhar! Uma garrafinha sendo carregada pelo sopro dos ventos até Vossa Senhoria: você. O detalhe é que não se trata de mais um daqueles episódios tristes de lixo lançado ao mar. É uma garrafinha repleta de sonhos. Altamente simbólica a presença de uma garrafinha de vidro bem transparente (porque o que sei e o que sinto não traz dúvidas pra mim mesmo... eu sei o que quero!).

Mas, convenhamos: é ou não é algo inexplicável – ao menos para os mortais que conhecemos as coisas pela metade? Quem conhecerá a outra metade senão os oráculos do Futuro?

O que surpreende é a curiosidade de ler no rótulo que abraça o vidro da garrafinha: “São seus”. Meus? A pergunta acaba sofrendo com o olhar duvidoso, uma vergonha pra quem disse ter fé. Sofrimento porque a pergunta soa confusa e ao mesmo tempo questionadora. Se são meus por que estão pra fora de mim? Pior, presos dentro de uma garrafinha de vidro? E que sonhos são estes que não sei mas que se lê serem meus? Nada que não se possa saber de imediato ou aos poucos, depende.

Tudo na vida depende de alguma coisa, de algum esforço, de um estado de ser ou saber ser. Daí, decorre espocar a rolha rumo à sua própria liberdade de papel cumprido. Segurar firme a garrafinha e avistar a despedida feliz da rolha no vaivém das ondas, sempre por cima delas, tem lá seus significados pueris.

E o que há por dentro da tal garrafinha? Uns versos musicais, presumo de início. Presunção, às vezes, não é empáfia. Isto, porém, não vem ao caso agora. Um outro questionamento que me sobre ao coração é sobre os sonhos. Afinal, sonhos são para ler ou para viver? Nem um nem outro verbo, conjugo com o pensamento. Sonhos são para sonhar e aguar as terras e as raízes do coração. Mas os versos estão lá como nutrientes daquelas terras e segredos revelados naquela garrafinha. Li e reli a ciranda daquelas palavras incontáveis vezes. Inevitável foi sussurrar com a voz afiada da alma tratar-se de versos musicais. Não sei, a sua musicalidade poética acabou falando mais alto. Lembrei de uma canção, acho que furtando um cadinho daqueles versos pra mim: “eu corro pro mar pra não lembrar você e o vento me traz o que eu quero esquecer. Entre os soluços do meu choro eu tento te explicar, nos teus braços é o meu lugar... Contemplando as estrelas, minha solidão, aperta forte o peito, é mais que uma emoção...”. Uma canção que noutro dia ouvi e pareceu de carne e osso. Eu vi a canção!

Privilégio saber que algumas canções não apenas se ouvem, mas se vêem! Os versos musicais que o digam!

Não são exatamente palavras brincando de ciranda, embora pareçam no primeiro olhar. Os versos são realmente musicados e a lembrança de fato existiu. O rótulo da garrafinha não se equivocou, por mais que eu não entenda todas as coisas justamente porque conheço em parte as coisas neste instante. São meus sonhos sim, não duvido. Certeza é uma roupa que não tem lado avesso, dos dois lados é sempre tecida de fé. São meus não em razão de possessividade pronominal. O lance é pra lá de gramatical. É visceral. É expectativa que engravida a esperança pra um Futuro que ainda não conheço.

Os sonhos, de repente, não passam de justificativa pro texto. Sei lá, tem palavras que a gente não encontra significado léxico. Acima das palavras apenas esta sombra que jaz ao redor do tudo que há debaixo do pé-de-amor. Meu pensamento. Minha lembrança. Meu desejo. Minha esperança.

O mar não foi exatamente o mar, mas uma visão pessoal de mundo. Algo inifinito e que carrega surpresas inesperadas como o vaivém das ondas que levam rolhas e outras dimensões de nossos desejos...

E a tal garrafinha, o que poderá ter sido? Ah, isso não conto não. Tem coisas indecifráveis para o olhar alheio. Já disse que sou discreto, só não tinha assegurado.

Eu prefiro dizer que coisas indecifráveis nada tem a ver com cifras musicais. São notas ou símbolos que poucos traduzem. É tal qual o fruto maduro da fé, o qual nasce na hora que tem que nascer. É tal qual fatos que não se vêem mas que nos seduzem com abraço apertado das convicções nuas e das alegrias só nossas. Bom repetir: Só nossas. Pra sempre nossas, mesmo que somente o Futuro esteja hábil a afirmar categoricamente qualquer coisa pra lá do instante chamado agora. É pra sempre porque tem a ver com os desejos indecifráveis de alma. É o que cabe dentro de uma garrafinha chamada “ser”, o ser indivíduo, o ser amante, o ser apaixonado, o ser e não meramente “estar”. Há muita diferença entre um e outro. Assim é cada dia que nasce aqui dentro e lá fora do olhar da gente. Assim é com o conteúdo de cada garrafinha que chega ou que um dia chegará pra gente entregue pelo Senhor Tempo.

Há coisas que sei, outras que estou aprendendo a saber debaixo do pé-de-amor. Só sei que garrafinhas com cifras indecifráveis chegam quando tudo se encontra descalço em nossa vida. Sem entraves nos pés, nos dedos, na mente e no coração... Prontas para serem totalmente nossas, definitivamente!


quinta-feira, 22 de março de 2012

Do que se pode fazer para não ser



Posso passar uma vida inteirinha brincando de ser feliz, e, dependendo do ambiente onde esteja plantado, aprender a sobreviver com as máscaras que me fazem ser ‘aceito’ no mundo que escolhi viver...


Posso ser de todas as cores porque, no fundo no fundo, não é a cor da pele que importa, e sim a da maquiagem no grande palco chamado Vida... sobrevive e se dá bem quem aprendeu a arte de ser cínico, matando leões todos os dias sem que ninguém perceba tal carnificina que ocorre pelo lado de dentro da alma...


Posso não entender algumas coisas, posso até invejar os que não passam pelos mesmos porquês que eu, posso dar golpes desesperado por me dar bem, custe o que custar, até fazer terceiros e terceiras para sempre infelizes e traumatizados na condição de vítimas de minha covardia. Eu sei que posso! Tantos não podem... e fazem?!


Posso atravessar todas as fases da vida até atingir as cãs e colecionar nas mãos os calos de tantos golpes desferidos contra mim mesmo... quem se importa? Posso sobreviver em meio a tantas estratégias que nem me dou conta neste momento... até empedrar de vez!


Onde o ser humano que um dia existiu?


O que fiz com as chaves de felicidade que um dia me foram entregues pelo Dom da Vida?


Onde a alma que gozava saúde no ser e aninhava sonhos de criança – lembrando que da simplicidade delas é o Reino dos céus - ?


É possível que algum dia, nos limites do último fôlego, às portas de uma Grande Viagem, uma Voz desfira o golpe final: “- Insano, hoje pedirão tua vida... e tudo o que você empreendeu em ações e omissões diárias de esvaziamento de si mesmo, pra que te serviu?”


Posso tantas coisas, mas e a mais simples delas? Viver e não meramente existir? Abrir portas com as chaves que um dia recebi de um par de mãos, não lembro de Quem, acho que sei o Nome, mas fiquei confuso se ainda me reconhece ou não?


Na dúvida, se ela - a tal dúvida - ainda existe em meio a tanto esvaziamento – eis um bom sinal, nem tudo está perdido! – o que fazer para deixar de não-viver e ressuscitar do pó das cinzas?


Eu acho que sei! – Você sabe?


Como o poeta que não morre, o conselho de Drummond é apenas uma mãozinha:


“Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?”


O poeta pergunta pra mim, coisa inexplicável mas que dá pra sentir numa simples releitura... talvez por isso eu acredite que é pra mim que pergunta, não sei se é pra mais alguém. É como se me dissesse, clamando pela poesia – que não é pedra, mas clama! -, se ainda estou com as chaves que um dia recebi daquelas mãos de Alguém cujo Nome nem mais sei após tantos descaminhos pra longe de mim, me pedindo pra abrir as portas que fechei não vivendo, não sendo, não eu até não-sei mais de mim...


Eis o ponto crucial! Alguma coisa bem firme me assegura que aquela Voz pode esperar... o Amor sempre espera porque tudo espera. Tanto o pronome quanto o advérbio esperam tal qual o Amor que espera porque tudo crê... E se crê de todas as formas é porque, no final das contas, o Amor jamais acaba.


Ainda não é tarde demais...


O que faço deste ser humano que achou que podia a vida inteira pra longe de mim mesmo?


O que qualquer ser humano ainda pode fazer se assim viveu (ou morreu) a vida inteira?


Dos outros não sei; quanto a mim, está decidido:


Onde eu coloquei o raio dessas chaves!?

domingo, 18 de março de 2012

Crônica dominical de final de verão


Cachorras, sexo e brioches – numa época de ofertas fáceis, amor é privilégio que poucos e poucas querem ter...



Estava procurando uma receita de bolo simples. Queria alguma coisa bem simples, porque de simplicidade é que a vida se torna rica (bela, quero dizer).


Daí, folheando uns artigos, encontrei uma história retratada no quadro de um psicanalista. “Por que as cachorras acabam se dando bem?”, perguntava a leitora. Aquilo me chamou a atenção. Viajei pra dentro daquele contexto e foi inevitável pensar nas letras de músicas que ouvi, aqui de casa, na noite de ontem, quando de alguma comemoração na vizinhança... Não, não enlouqueci nem soltei os meus cachorros! Souberam respeitar a lei do silêncio. Até lá, no entanto, ouvi várias vezes as letras enigmáticas sobre os seres-cachorros...


Mas o artigo me interessou neste momento de tanto protesto a que mergulhei. Protesto por perceber a ruína dos valores e da própria ética no dia a dia. E continuei lendo aqueles parágrafos até me deparar com uma letra de Gabriel, o Pensador, que na sua linguagem musical foi capaz de dizer “não inveje as cachorras...”. E por que disse isso? O articulista se adiantou em responder... “Elas ‘dão muito’... mas não levam nada... e envelhecem amarguradas.”


E prosseguiu: “Ora, até para ter plenitude de prazer sexual tem-se que ter mais do que um corpo de macho ou fêmea em atrito sexual sobre a pele. Gozo é privilegio do amor e da confiança; não do sexo.


A maioria das mulheres que conheço que ‘dão muito por aí...’, não sabem até hoje o que é prazer. Confundem a biologia animal do prazer com a plenitude dele. Aí é que tá: essa plenitude só vem do amor. Prazer sem amor existe, é verdade, mas não é profundo e nem realiza o ser.


Sexo sem amor enjoa como qualquer outra coisa...


O que faz do sexo algo sempre novo é o amor... Nunca desista do amor, pois um dia ele te achará! Portanto, cuide de você... investindo em você... se amando!”


Tenho que concordar: amor, esse ‘sentimento-dom-maior-que-meu-desejo’ está ficando cada vez mais raro, diz-se até que nestes dias tão egocêntricos a tendência é se esfriar de muitos corações. Até a Bíblia dos cristãos assegurou isso sem precisar conhecer a contemporaneidade. E eu creio. Por isso, pra mim, uma pergunta pertinente a se/me/nos fazer é a respeito do que sentimos fome.


A fome de quem almeja amar sem posse, sem controle, sem coisificar o ser que ama, mas deixando-a(o) livre pra ser com saúde emocional, deve ser a de construir caminhos de certeza. Quem se ama, por exemplo, não se angustia por ter sido esquecido(a). Quem se ama, sabe que o amor nunca nos deixará na mão, desnutridos. É desta certeza que falo. O amor existe. E a certeza de que ele existe é sempre um dos meus mais fortes alentos para viver neste mundo onde quase nada do que de fato é, é visto como sendo, pois, aqui, só vale o que parece ser. Porém, mesmo passando alguns dias ensimesmados (coisas minhas, reflexões, sonhos que mudam de cor, vontades não supridas, etc), não consigo deixar de crer no que está arraigado em mim como uma espécie de fome saciada: a certeza de que o amor é!


E quanto a fome das cachorras e dos cachorrões?


Tenho um amigo que responderia isso de uma maneira bem peculiar (sem deixar de ser sensata): que elas e que eles comam brioches já que não tem (porque não fazem questão de ter) pão-amor!


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Prioridades modernas______________


Fiquei quarenta dias e quarenta noites {numerologia oriental hebraica pra significar toda uma existência}, andando pra lá e pra cá pelas ruas mais movimentadas com uma placa bem visível no peito, que dizia:


“Oferece-se um coração. Nota: segue envelopado por um corpo emocionalmente saudável.”


Resultado de toda essa, digamos, pesquisa de campo:


75% quiseram saber sobre como é fisicamente o corpo, quero dizer, os ditos atributos do corpo, não se importando nem um pouco com a questão emocional.


20% quiseram saber -- ou provar, é o mais coerente! -- como é o currículo em termos de experiências e habilidades com as posições que o corpo oferece, não se importando com o emocional, desde que não mostrasse de cara tratar-se de um louco ou psicótico.


3% deixaram contato, mas fizeram questão de frisar que seria apenas pra um “lance legal”, "sem compromisso". Assim fizeram, digamos, de maneira bem capitalista -- porque até as relações sociais e afetivas acabaram sendo vistas pelos tais como oferta, demanda, distribuição, lucratividade e preço -- mas estes também não se preocuparam com o emocional. Havendo acumulação de capital (prazer, por exemplo),
laissez-faire...


2% apenas olharam, esboçaram gestos tímidos ou não e até pararam, mas não conseguiram se comunicar por muito tempo, seja pelo armário do tipo “blindado” em que estavam, seja pela pressa que permeia o método convencional do fast-food-living.


0% se importou com o coração ou com qualquer coisa a ele correlata. Questão de prioridade, não necessariamente falta de interesse imediata...


Eu voltei pra casa, assim, pensativo... A propósito, o coração recusa estar em oferta. É alguma coisa quase idealista diante de tanto capitalismo e pouca importância com o que realmente pode mudar uma história... pra melhor!





só mais um conto de Dona Vida_____________



- Olha só que florzinha mais bonitinha que eu tô vendo... {risos}

- É, mas essa florzinha aqui não abre em qualquer plantinha nem pra qualquer jardim...

- Mas eu sou uma plantinha fiel.

- Duvido!

- Olha, não duvida que eu provo...

- Então, prova! {risos}


* * *

Quatro semanas depois o lance acabou. Dona Vida bateu à porta certo dia e os chamou para passear no chão da realidade, nua e crua, debaixo dos percursos naturais e do sol escaldante... Tudo era bonitinho demais, perfeitinho demais...

Dona Vida não perdoa: sem raiz, não há plantinha nem florzinha que dure muito tempo!

Que o digam o verão e seus amores passageiros... a internet e suas quimeras de pura projeção...



sábado, 4 de fevereiro de 2012

meu lado B________________



Comida pegando fogo de tão quente. Pergunto: pra quê? Como curtiria os excessos? Imagina um pão entupido de manteiga, margarina ou lá que seja maionese. Mais uma vez pergunto: pra quê? Não é melhor o equilíbrio? Outra coisa, gente sem-noção. Não curto. Acho que não preciso explicar os porquês. Sem-noção é adjetivação de inconveniência. Dispensável, todos entendem (exceto os sem-noção, esses nunca respeitam os limites do outro). Até que gosto da noite (juro!), mas a madrugada pra mim só tem sentido se for pra dormir ou mergulhar nos braços amantes. Nos últimos longos tempos, tem servido apenas para dormir... Quando quero a quietude como inspiração, busco o momento em qualquer lugar apropriado, e não ao socorro precípuo da madrugada. Não curto de jeito nenhum os lugares altos, o odor impregnado de nicotina, a louça largada dentro da pia, bem como meias furadas, chá de boldo (embora ame chás!), arroz queimado, bolo solado, remédios pra dormir, remédios de qualquer jeito, pássaros engaiolados, insetos, livros de auto-ajuda, paisagens sem árvores, fé sem atitude, atitude sem viço de coerência, música eletrônica, roda de pagode, ambientes sem janelas, quartos escuros, escada sem corrimão, chats (um saco!), unhas grandes, pêlos rapados, tintura no cabelo, andar de moto, atravessar ruas com sinal aberto, calor em excesso, frio em excesso, duvidar em excesso e o exceder no excesso. Embora tenha falado dos excessos, convenhamos, não oferece prazer ao paladar um pão sem manteiga. Conveniências à parte, que se registre que gosto de samba e dos batuques de percussão! No entanto, não é assim que me coloco ante os partidos de direita, os guetos como diminuição geográfica identitária e o Deus implacável da religião. Saiam de retro! Distância quero de toda forma de mentira, de toda forma de covardia, bem como da preguiça, do descaso, da grosseria, das verdades impostas, da meia-verdade, do egoísta, do ególatra, de gente problemática, de gente que diz mas não faz e de gente que ultrapassa o direito da existência do outro. Não gosto também de gente que se vitimiza só pra buscar uma atenção como esmola. Penso que é tão insuportável quanto o ser vaidoso (não pela estética, mas em razão do sentir-se superior aos demais). No desafio do que não curto, afirmo que não suporto projeções: o cara é, por exemplo, mentiroso e crê que todos são assim também. A mulher é infiel e crê que todas e todos são assim também. Isso pra mim é projeção. Pra mim não é questão de mau-gosto e sim de injustiça para com quem não for assim. Crianças adultas e homens infantilizados também não me soam bem. Há que se respeitar as estações da vida sem medo de ser o que se é em cada uma delas. Passaria o dia inteiro pensando em muitas outras coisas que não me atraem (às vezes, até me causam indignação) e cuja lista entesa como um arco e flecha: tudo o que é “fake”, a desesperança, a VIL-olência, a sequidão de sonhos, os estereótipos, os barulhos inchados de desrespeito, a aridez de idéias, o não-ser, etc. O que, todavia, colocaria como "top of tops", ou seja, como o que me causa maior distanciamento do meu bem-querer, seria o amor sem entrega e o amor como produto (pra não dizer "coisa") de um capitalismo internalizado como uma espécie de “modo de ser com as pessoas”. Há que se ter respeito. O outro – o qualquer outro para além de minhas fronteiras! – pode ser alguém com aspirações completamente diferentes... Pelo que já me expus, dei-me como cara à tapa a muita gente. Um aviso, porém: não me leia interpretando pra si o que é apenas meu próprio olhar de mundo, de vida, de mim mesmo... De repente, você curte pão ensopado de margarina e não tá nem aí para as taxas de colesterol LDL ou HDL, bebe em excesso, curte um bom pagode na roda de amigos, troca de namorado(a) como quem troca de camisa, enxerga o amor como mera satisfação fisiológica e até se esconde nos estereótipos pra se auto-proteger. "Cada um no seu quadrado", canta a sabedoria simples das massas. No entanto, em meio às linhas entrelaçadas do meu pensamento exposto nu e cru, eis-me numa leitura-de-mim conforme meus próprios sinais em forma de letras e na textura de palavras. Eis-me sendo assim no lado B da vida (sobre o lado A, antagônico a este, o das minhas paixões e curtições, direi mais tarde em outros tecidos de palavras costuradas)!



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

uma crônica após tanto tempo de ausências neste blogue


Vivem-se dias de pressa. Alguns entendem como algo bom. É bom ter pressa, asseguram. Otimiza-se o tempo. É o que muitos consideram. Sou das antigas, por mais que o tom de cor seja embotado no meio dessas palavras. Eu sei que sou um cara das antigas. Neste fim de semana fiz algo que já não fazia há alguns meses (poucos meses, confesso). Fui até a agência de correios do bairro onde moro. Postei uma correspondência. Estranho dizer isso, mas pra muita gente é coisa das antigas. Não tiro a razão, principalmente porque um e-mail sai e já chega com a resposta em questão de minutos, dependendo do destinatário. Dia desses também saltei do metrô, ali no Largo do Machado, e me encontrei (pra não dizer que me perdi!) num daqueles quiosques de flores e nem me dei conta que demorei horas entre pétalas, cores e aromas. Eu quis dar pra mim mesmo um bouquê. Nada demais, é só porque gosto de receber flores e a última vez que recebi de alguém deve ter mais de meia dúzia de anos, certamente. Enviar flores, escrever cartas e postá-las por método convencional, escrever bilhetes, ouvir “The Carpenters” e “Chicago” (pra evitar de dizer que amo ouvir Callas e Piaf), sair à frente e segurar a mão da dama quando descemos de algum lugar, visitar idosos numa instituição asilar e ganhar uma tarde inteira quando estou com eles, entre outras coisas acabam por me estereotipar como um cara com hábitos, diria, antiquados para a pressa da contemporaneidade e os costumes que nascem a partir daí.


Ninguém tem tempo pra muita coisa, tudo é resumido aos estalos e aos cliques do momento. Se escrevemos um e-mail, por exemplo, e não o respondemos em questão de minutos, horas ou, nos casos mais raros, em até um dia, entende-se que não se deu a importância devida. Esquecem, no entanto, que pessoas são pequenos mundos particulares. Eu, por exemplo, costumo demorar dias pela resposta do e-mail, salvo raras exceções. É o velho hábito das cartas convencionais arraigado aqui dentro. De telefone celular nem falo mais. Nunca conseguimos ir além de um namoro. Acabo tendo por uma espécie de necessidade, mas daquelas necessidades que não são vitais. Que fique claro.


Quando o assunto é lincado aos terrenos do coração (não falo apenas de paixão, mas de qualquer envolvimento afetivo, inclusive o fraternal), não fujo à regra dos meus sentires mais inatos. Talvez porque meu olhar lançado aos pés da vida seja absorvido pelas verdades que me vestem. É uma possibilidade, quem sabe. E como me vestem as minhas verdades? De roupas simples, tecidos modestos, nada extravagantes, mas convictos e seguros de como posso usá-los (e até onde me deixarão confortáveis). Sou daqueles que acreditam (sim, eu acredito!) nas possibilidades de amar quanto mais me ofereça, sem, contudo, me perder no processo. Não é porque se ama que se deixa de ser quem se é desde sempre! Afinal, duas estacas sustentam minhas convicções: a certeza-de-mim que é produzida pela fé e a esperança de continuar sendo-sem-fim como um produto inacabado mas que persegue um alvo, o ser cada vez mais humano. Eis por que talvez não tenha desistido até hoje de suportar os sonhos grávidos que ainda não pariram. Sou pai de muitos deles, mas ainda não posso segurar as crias. Nem todas nasceram. Algumas nem nascerão. São as paixões que me levaram ao delírio mas que, por alguma razão, se foram sem que eu notasse que não eram pra mim...


Gostaria de descortinar um parêntese e lhes revelar algumas confissões. Um cara das antigas como eu se assusta com o assédio. Sábado passado, depois de sair da festinha de aniversário divertidíssima de minha irmã, corri para me fazer presente na comemoração do aniversário de outros dois amigos. E não é que foram três os pedidos pra ficarem comigo? O último pedido foi tão insistente que me constrangeu. O pior é que o não querer, às vezes, é lido como bancar o difícil. Como assim, ficar por ficar? Como diria a retórica da blogueira Cleycianne: cadê o romance? Cadê o governo? (risos). Eu remendaria: Cadê o interesse pelo que se é? Uma outra confissão que faço tem a ver com o que espero. E o que espero? Da vida, os frutos de minha semeadura feliz. Dos projetos de vida, os sinais confirmadores de que ainda há sempre o que melhorar, sem jamais desistir. Dos terrenos do coração, uma semente que germine e se enraíze com fortável na terra que lhe acomoda, terra simples, mas umedecida de afeto que acolhe e segura na mão até perder o vigor pela idade.


Fechando os parênteses, a pergunta que me soa uma sinfonia de expectativa é o que me embala tanta certeza. Nem sempre estou certo. A prova é que já caí inúmeras vezes! E que bom que esses processos me habitam; deve ser um prisão – um adoecimento constante – crer que não se erra! Mas quero um dia poder acertar de uma maneira diferente, sabe. Olhar, sorrir, falar sem dizer palavra e finalmente encontrar uma outra resposta pra fora de mim, que venha ao encontro da minha própria e decida – ambos decidamos! – a ser resposta mútua e satisfatória. Quando virá? Não sei. Como virá? Certamente por meio de nossas verdades, nunca pelo trágico manuseio das aparências. Assim, que todos saibam pra fora das letras que não sou bonito, não tenho o melhor sorriso, não sou rico nem carrego estirpe. A vida me presenteou com a gana de persistir até tornar tudo um Dia Perfeito. Batalho sob o sol escaldante, pego ônibus e metrô, me doo, ponho cara à tapa, fui liberto pela Força esmagadora do Amor do auto-engano e do medo de ser flagrado pelos seres humanos, tenho verdadeiro horror à coisificação do ser humano e creio com todas as minhas forças que é possível abraçar todos os dias a mesma pessoa por muitos e duradouros anos, sentindo a pele ficar flácida e enrugada com o passar dos anos. O que sou? Um cara das antigas num mundo cibernético? Um ser humano, aprendiz-errante. Eis o que sou-sendo. Sim, pois os processos dentro de mim não se cumpriram. Sequer ainda encontrei os braços certos pra abraçar por toda a vida. Sem pressa, obviamente.



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