quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Árvores, raízes e rodas


Estive nestes dias com uma amiga no teatro. O bom de estar com ela é a riqueza de sua companhia. Mas não apenas a riqueza da presença, mas a presença da riqueza nela. Nada do que fale ou pense lhe soa estranho ou causa-lhe interpretação vária. Ela sempre sabe me compreender. A leveza do papo é constante porque não preciso usar das escusas para tentar explicar qualquer coisa que não tenha sido discernida no espírito daquilo a que me propus. É tão difícil encontrar pessoas sensíveis ao entendimento do outro. Falo por experiência própria. Entretanto, sei que todos somos diferentes. E há riqueza nessa dimensão diversificada dos seres com os quais lidamos nas nossas relações, sejam familiares, profissionais ou simplesmente entre amigos.

Já na fila para entrarmos no teatro, de braços dados comigo, dizia: “sou o que sou e a isto batizo de felicidade por me encontrar inteira. Isso só incomoda a um grupo, o da maioria, que não gosta muito de ver gente inteira e feliz. Mas o que é a maioria? E eu, o que tenho a ver com o que pensa a maioria?”. Ouvi-a com atenção desmedida porque digeria cada palavra como um sinal de clarividência para o meu momento. Segundos se passaram e as últimas palavras ainda eram pronunciadas quando ela simplesmente gargalhou. “O que importa a maioria?” – repetiu olhando com brilho intenso na minha direção. Sorri. Aliás, os muitos anônimos da fila também sorriram. Ela tinha se tornado um “ato” à parte naquela noite. O melhor estava para o fim do espetáculo. Sentados num banco de praça, em frente ao Teatro Carlos Gomes, comentava sobre a peça quando ela me interrompe para falar das raízes das árvores. Havia muitas árvores centenárias ao nosso redor. Dali, em meio ao caminhar das horas naquela noite, divagamos sobre o enraizamento do ser humano que se reconhece sendo quem é. E mesmo sendo quem é não lança para ninguém as responsabilidades de ser como é e quem é. E quem é o que é sem grilos pra si, concluímos, é como uma árvore bem plantada e enraizada nas suas certezas que lhe trazem, no tempo devido, a pacificação consigo mesmo e com a própria existência.

A nossa viagem, por assim dizer, alcançou tempos é épocas que passamos a recordar juntos naquele banco de praça. Bem ali, acreditem, há sete anos atrás, lembramos do trabalho social que desenvolvemos com outros amigos queridos. Chamava-se “Madrugada do Carinho”. Por quatro anos benfazejos fui o presidente daquilo que assumiu ares de ONG. Chamava-se “APÁS”, pronunciando em oxítona para marcar bem o propósito de nossas intenções. Distribuíamos alimento, roupas e brinquedos para as populações de rua. Tive o privilégio de presidir por quatro anos aquele trabalho. Trocamos várias figurinhas. Parecia que movíamos uma roda de lembranças, quase todas com nomes e características próprias.

A vida é uma roda. A peça foi apenas um pretexto para trocarmos muitas idéias. “Estamos vivos, meu amigo”, profeticamente me disse como se estivesse cobrando uma reação diferente de mim. Não podia. Taciturno, o instante me pedia silenciosamente apenas a contemplação. Sim, estamos vivos. E enraizados naquilo que amamos. Concluí.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails