quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Os quereres e os pensares na palestra da senadora


Final de semana passado estive envolvido na X Conferência Estadual dos Advogados do Rio de Janeiro. No penúltimo dia do encontro, alguns prazeres me encheram o peito de ânimo. Pude participar de alguns fóruns e debates cercado de gente que, de alguma forma, contribuiu para nossa História. Senti-me privilegiado pelos saberes que me foram compartilhados em vários temas de extrema relevância. Saúde pública e SUS. Segurança pública e forças armadas. Narcotráfico e currais eleitorais. Meio ambiente e sustentabilidade. Pois bem, neste último conheci um ser humano cativante pela força e coerência de sua simplicidade observadora. Falo da ex-ministra do meio-ambiente e atual senadora pelo estado do Acre, Marina Silva.

Durante as duas horas de debates com especialistas na área do direito ambiental, não tive como não me emocionar (ou melhor, não teve quem não se emocionasse) com a fala da senadora. Não apenas pelo seu histórico de luta e perseverança, posto que alfabetizada na adolescência, mas pela concateneidade de suas idéias ao buscar o progresso sem com isso irromper no desmando à nossa Constituição. Afinal, ela mesma assegura que a vida humana é um bem e que a promoção do bem de todos constitui um dos objetivos da nação. Tocamos no aspecto nevrálgico: os índios, os caboclos e as populações ribeirinhas com sua cultura, costumes e tradições. Mais ainda, os direitos constitucionais assegurados às terras indígenas sobre as quais a União deve “demarcar, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (art. 231 da Constituição). E inobstante a isso, declara-se que “é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras” (§ 5º do art. 231 de nossa Constituição).

O grande problema que enfrentamos é que nossos saberes e pensares, que representam a diversidade que nos forma como nação, nem sempre convergem para aquilo que é bom para todos, e não apenas para o serviço de algum interesse. "Precisamos aprender com a sabedoria do próximo, desfazendo-nos da falsa premissa que somente a nossa é a mais importante, a que deve prevalecer", dizia ela. "Os caboclos, os kayapós, os tikunas, os yanomamis, os saterés podem não ter o conhecimento acerca dos nossos saberes, mas eles vêem e observam, ouvem e discernem, entendem e sabem o que lhes é bom ou não, importante ou não, e eles não podem ter seus saberes desprezados" – completou.

Falar de preservação ambiental virou moda hoje em dia, mas “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer.” “É mais fácil defendermos o que está longe de nós”, dizia ela. “É mais fácil se mostrar interessado com a preservação da Amazônia do que com o Rio Tietê ou com a Baía de Guanabara. E por quê?” – perguntou-nos. “Porque o que tá perto de nós dá trabalho”. Imediatamente me lembrei de uma palavra de São João quando dizia: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. E qual a relação entre um e outro? Simples sem ser simplista. É mais fácil dizer que ama a Deus a ter que engolir a realidade da diversidade a qual muitos não amam e sequer cogitam na possibilidade de amar de fato. Sim, é mais elegante pronunciar o pai-nosso a ter que encarar o “assim como” da oração na própria pele. Amar a Deus é fácil, difícil é ter que se importar com quem está pelas esquinas do meu bairro. Amor ao estilo “laissez faire”. “Laissez faire”. Emocionado que estava, ainda me deliciei na sabedoria da parábola do caboclo e dos formigueiros contada pela senadora. Numa outra oportunidade contarei. Por ora, a certeza que só somos qualquer coisa se considerarmos a certeza do próximo, seja ele quem for, sendo também perto de nós. Discretamente enxuguei as lágrimas em meio aos aplausos demorados dos meus colegas. Toda vez que vejo beija-flores carregando água em meio à grandeza da floresta em chamas, me emociono. Naquele mesmo dia ainda teríamos um outro fórum com o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

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