sexta-feira, 21 de março de 2008

Meu resumo das sete palavras da cruz

Sexta-feira da paixão de Cristo. Sexta-feira santa. Sexta-feira de ralar sob sol escaldante. Sexta-feira de descanso no feriadão prolongado. Sexta-feira de estréia de shows, eventos, debutantes, roda de pagode e tudo o que cada um de nós quiser que seja. Que seja bom pra nós. Lembro que passei anos e anos vivendo a realidade da sexta-feira santa num contexto religioso praticante. Nada de brigas nem disputas com minha irmã. Trégua. Nada de sons estridentes. Razoável silêncio. Nada de ingerir carne. Abstinência. Nada de muita coisa. Apenas e tão somente cultura.

Para os católicos, adoração do “Senhor crucificado” e procissão do “Senhor Morto”. Para os protestantes históricos, o culto das “sete palavras da cruz”. Ensinei e preguei sobre as sete palavras da cruz. Anos que se passaram. Nunca mudei de opinião. Pra mim, o resumo das sete palavras da cruz era simplesmente a sexta delas. “Está consumado” (Jo.19,30). “Consumatum est”, pra mim, é o auge do ministério de Jesus. “Está consumado” não pode ser entendido sem um mergulho no que seja o propósito da existência do Cristo. Seria apenas um mártir? Um profeta? Um sábio ermitão? Um destacado rabino fora de contexto? Não vem ao caso estabelecer juízos do que penso. O “está consumado” é a plenitude soteriológica acerca da qual Paulo, o apóstolo, tanto escreveu. Chega a dizer poeticamente como “reconciliar o mundo”. Em outras passagens, mais profético, refere-se a um pagamento no “escrito de dívida contra nós”.

E o que tudo isso tem a ver pra mim, pra seu Manoel das couves e pra dona Gracinha do salão de beleza na esquina? Em que o “está consumado” me atinge? Não é o que me atinge, mas como me atinge. Consumada ou concluída é a minha certeza que meu caminhar não pode ser a lugar nenhum e que, portanto, sabendo que “nada é por acaso”, sei ou sinto que a vida é uma semeadura rumo Àquele em quem todas as coisas são início e fim. Estou seguro na certeza, a mesma que me “lança fora todo o medo”. Medo de ser eu mesmo. Certeza que meus passos são guiados e seguidos de perto por Alguém que me ama sem que eu faça qualquer coisa pra incentivar, impedir ou desistir do que sente. Consumados, portanto, estão todos os meus dias ainda que eu esteja vivendo cada um deles como algo inédito apenas pra mim. Certeza que não preciso viver com vestes de desassossego no que me trará o ‘depois de hoje’. Saber e descansar. Não saber e ainda assim descansar. Uns chamam “viver por fé”. Eu chamo “viver com tempero de Graça”. Papo de doido, né? É que de vez em quando me faço de são apenas pra que os loucos me deixem em paz. Só os loucos.



Na imagem acima: "La Pietá", do extraordinário mestre Michelangelo. Basílica de São Pedro.

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