- I –
Minha amiga Iraydes costuma dizer que “o ano de fato começa quando o carnaval acaba”. Ela tem razão. Dia desses tentei resolver uma pequena questão no âmbito da Prefeitura, mas praticamente todos os funcionários estavam em férias. O que restou para me atender, apesar da boa vontade do menino, não sabia como fazer o serviço. Cheguei a ajudá-lo na redação do documento, enquanto ele digitava o que pedia. No final das contas, pediu-me para voltar num outro momento. Ele definitivamente não sabia fazer, foi o que intuí. Ok. Esperei o carnaval terminar. Pode ser que os funcionários mais experientes estejam de volta de suas férias. No Tribunal Federal não foi diferente. Diferente mesmo foram apenas o enredo e o nome dos personagens. Fico pasmo como tudo pára nessa época.
- II –
Só não fico pasmo pelo que já vejo ao longo de muito tempo. A presença dos seres que insistem em andar “fantasiados” – leia-se mascarados – pelo restante do ano a fora. Tô pensando nisso há algum tempo, procurando entender os porquês. Partindo do princípio que a alma humana é um complexo universo de histórias, tensões e sentimentos os mais variados, sei que a formação e os ambientes sociais e familiares afetam – e muito! – o comportamento latente de todos. Não há exceções. Somos um amalgamento constante. Um gerúndio.
Sören Kierkegaard certa vez disse que a vida é um baile de máscaras.
Caio Fábio, a quem admiro pela trajetória e sobretudo por amar os conteúdos do Evangelho sem aderir a partido religioso algum, disse uma vez que o papel de cada um é descobrir-se nesta existência, retirando, uma a uma, as máscaras que ao longo da vida vamos colocando (ou permitindo serem colocadas). O problema, segundo ele, é que para muitos, esconder-se atrás das máscaras é apenas um questão de proteção ou de diversão inexaurível e viciante. Sim, acaba virando um vício do ser, a tal ponto que sem as máscaras muitos não suportam e morrem. Assim, para a maioria, sem o personagem, acaba a pessoa.
A moral é a grande máscara. E os moralistas são o que detém o maior número de disfarces. Muitos – se maioria ou não, não sei – existem assim. Daí, para muitos, catástrofes que lhes roubem as “máscaras” os deixam em estado de desespero, visto que sem a máscara eles não possuem um rosto próprio, algo que a própria pessoa reconheça para si e como sua, e não apenas como um reflexo da imagem que os outros devolvem para você mesmo, supostamente acerca de quem você – ou qualquer um – aparenta ser para eles.
Desse modo, vende-se a imagem, e alimenta-se dela. Mas no dia em que as máscaras são tiradas, muitos não conseguem mais viver, pois neles não há uma vida própria, mas apenas uma existência fabricada para consumo no Baile de Fantasias, que é a existência da maioria.
Tudo isso é muito triste, mas quem vive nesse Baile de Fantasias não tem idéia do que faz de mal à sua própria alma.
Pobre do auto-enganado que pensa que as máscaras o salvarão!

Viver na simplicidade – que é a verdade de cada um –, respirando sem disfarces sobre o rosto, deveria ser o desejo de todos os homens. Quem não deseja viver assim, insistindo no carnaval fora de época, corre um grande perigo. O de viver sem sentido sobre um chão arenoso e infrutífero para o ser. Como ensina Caio, orador e psicanalista, é preciso tirar da cara a máscara. Do contrário, pode-se vir a perder a coisa mais sagrada e preciosa de um homem - o poder unificador da personalidade, e a capacidade abençoada de se tornar alguém que seja realmente quem se é de verdade.
Esta é apenas uma reflexãozinha para iniciarmos o ano com desejos elevados dentro da gente. Iniciarmos o ano? Sim! Afinal, tal como aprendi com minha amiga acerca de quem falei no início do artigo, também sou destes que crêem que é depois do carnaval que as coisas engrenam. Com ou sem máscaras? Ah, isso é com cada um. Sei apenas de mim e de como é bom sentir a brisa tocando nosso
próprio rosto!...