
Há um preço que poucos pagam, nem tanto pelo valor em si mas muitas vezes porque o que é caro requer um esforço muito grande pra se conquistar. Penso exatamente na liberdade. Não a vejo como mera palavra, mas um estado de ser o qual é visto pelas lentes da autoconsciência. Quem se sabe livre deseja ardentemente liberdade pra si e para os outros. Não existe espaço algum para manifestações egoísticas do ser. Quem se sabe livre, enche-se de indignação quando assiste alguém escravo. É tal aquele que se sabe perdoado. Invariavelmente, derramará perdão (pois a autoconsciência do prazer que causa é algo pra ser compartilhado). Tudo o mais é assim quando o ser não é egoísta...
Pensando um pouco no que o ser da gente é capaz de promover quando sabe compartilhar a alegria de um encontro, lembro-me da história muito antiga de uma dona de casa extremamente pobre que, certo dia, resolveu fazer uma faxina daquelas com o propósito de encontrar o que lhe era caro. No caso dela, uma moeda perdida e o significado emprestado a ela (a moeda). Tratava-se de seu tesouro pessoal. Era-lhe como tábua de salvação para, quem sabe, muitos apuros de ordem material. Não era qualquer coisa. Não era sequer “coisa”, uma
“res” (do latim). Nada disso. Era um pedaço significativo da costura de muitos sonhos. Os sonhos daquela pobre mulher. O barato da história é que termina com o encontro da dona de casa com seu tesouro. Mais que isso, a alegria dela ao celebrar o tal encontro. Dizem que chamou a vizinhança da comunidade onde morava e os seus amigos discerniram que os sonhos daquela mulher não seriam sonhos em vão. Ali todos se viam nivelados pela necessidade e também pela alegria. Tanto foi que a alegria de uma foi a alegria da galera toda. O prazer de uma acabou contagiando a muitos.

Fico pensando na liberdade quando veste o ser humano de esperança e fé. Aqui, por favor, não me leiam com significados vinculados a qualquer religiosidade. É a fé que impulsiona a crer na possibilidade, no potencial que existe em nós. Pois, então, quando o ser humano se liberta impossível que mudanças não sejam acarretadas pelo processo. Quando são visivelmente boas, muitos compartilham da realidade de tais mudanças (até quem nunca gostou da gente). Afinal, não se esconde a candeia debaixo do alqueire. O que é luz sempre iluminará pelo simples e ao mesmo tempo majestoso exercício de viver.
Penso que o maior legado que a gente pode oferecer pra nós mesmos é a própria liberdade. Liberdade pra ser. Liberdade pra promover a construção de uma casa alicerçada na verdade. A maior de todas, creio, a verdade do ser.
Estas linhas são rascunhadas e ao mesmo tempo pinceladas do encontro tido com os amigos da Comunidade Betel nesta última quinta-feira. Assentados numa reunião que realizamos cada qual foi pondo suas próprias considerações acerca de si e das mudanças advindas no entendimento de sua liberdade. Mas, diga-se, a liberdade a partir da verdade. Lágrimas. Alegrias. Retrospectivas. Confissões. Uma satisfação contagiante pela serenidade e pela desinstitucionalidade do momento. Ninguém ali quis mostrar-se perfeito. Antes, pelo contrário, era o privilégio de se saber humano e acolhido no encontro dos semelhantes imperfeitos que fazia a diferença.
A verdade quando inserida num ambiente de acolhimento pelo outro se torna uma ferramenta de Graça que promove a comum-UNIÃO. E a coisa não ficou só entre nós, houve um ajuntamento de lembranças acerca de muitos outros seres humanos, os quais foram lembrados. Falou-se das necessidades do país, a sede de justiça e de conscientização política. Falou-se dos que não caminham na verdade e se dissolvem sendo muitos ‘eus’. Solidarizamo-nos com os agentes do Bem neste mundo, independente do que sejam, do que tenham ou no que creiam. Lembramo-nos do Gabriel Buchmann, brasileiro que buscou conhecer o mundo a partir da miséria para melhor servir como gestor, porém foi encontrado morto nesta semana, no Malawi. Foram momentos muito enriquecedores pra mim. Como disse na ocasião, aprendemos uns com os outros no encontro, mesmo no silêncio que tal encontro algumas vezes provoca. Silêncio, todavia, não silencia os ecos da alegria.
E foi justamente neste cenário de alegrias e recordações que nosso grupo – falamos emprestando o sentido de ‘família’ àquele ajuntamento – completou três anos de existência. Senti-me como a tal dona de casa que vibrou com seus vizinhos pela moeda que tinha encontrado.
Olhando fixamente nos olhos dos que ali estavam presentes, percebi que todos éramos os donos e as donas de casa daquela velha história contada por Jesus nos Evangelhos. Ali, cada qual havia se achado em algum momento na trajetória da vida. Cada qual havia discernido mudanças significativas em si e a partir de si no encontro. Penso que sejam valores imensuráveis frutos dessa tal liberdade igualmente imensurável! Que tesouro!