
Se eu fujo dos clichês, dos estigmas, dos rótulos e das comparações, então não sou o que esperam de mim. A vida toda esperaram muito de mim. Nunca me perguntaram o que eu esperava de mim. Crescer com uma obrigação imposta – mesmo no silêncio das projeções (dos familiares, principalmente) – é um martírio. Sim, pois a imposição do bom mocismo quando introjeta na psiquê é avassaladora pra quem dela se serve. É por isso que quem cresce livre desses fluxos de imposição familiar ou moral, de fato, respira mais aliviado. A razão é simples: não há fardos ou cobranças ditando o comportamento. O sujeito segue livre, leve e solto na sua construção pessoal existencial. Considero tudo isso um privilégio, um presentão chamado liberdade. Liberdade para ser.
Agora, quem nunca esteve nem aí para os tais fluxos de imposição – ou seriam “formatação”? –, fazendo justamente o que dele (ou dela) não esperariam, não se importando com mais nada, recebe de cara a tarja
“ovelha negra”. Antes que as palavras soem comoventes, digo que há um bom sentido em ser ovelha negra. Bem-aventurados os que, rotulados como ovelhas negras, conquistaram suas alforrias! É verdade. O sujeito sabe que a cadencialidade das suas atitudes transgressoras lhe abrirá as portas da liberdade. O resultado, de certa forma, é que o sujeito está safo!
Estar safo não deixa de ser uma implicação de liberdade, se é que me entendem...
Do contrário, se o sujeito preferir a maciez da estigmatização de bom mocismo – que não deixa de ser perversa, porém de forma aparentemente indolor –, fazendo sempre o que esperariam que fizessem, algumas vezes por se acostumar com o hábito viciante dos méritos e congratulações (
“Ah, como ele é maravilhoso!”, “Como gostaria que meu filho também fosse assim!”, “Este é o genro que toda a sogra adoraria!”, etc), neste caso, o caminho para a liberdade – a liberdade do ser! – será mais pedregoso justamente pelo vício das performances politicamente corretas
e até perversamente louváveis numa sociedade comportamentalista. Eis a razão de ter dito aqui num post de ano passado, se não me engano:
por pior que seja você, prefira mil vezes ser você-você-mesmo a ser um não-você.
Falo por experiência própria em todos os aspectos que ressaltei logo acima, tanto na questão da estigmatização de bom mocismo e nos vícios meritórios que seguem por tabela como também na desvantajosa acomodação em ser um não-eu. Evidentemente não gostaria de imprimir nestas linhas uma conotação de pobre coitado. Pelo contrário! É por isso que folgo em dizer que nada se compara ao prazer de sermos e fazermos o que nos der na telha, como fruto de decisões maduras de quem assume todas – disse e repito: todas! – as conseqüências.
O prazer de vivermos na verdade, absolutamente livres dos rótulos impostos, errando e acertando durante nossa existência, fazendo merda quando bem quisermos, mas também solidificando alicerces em muitos aspectos, é uma graça que todos poderiam curtir na sua própria experiência. O poder libertador de uma vida que se impõe pela sua verdade é uma das poucas coisas que são eternas. A amizade que se prova nos tempos de angústia e o amor que de tão grande ultrapassa as fronteiras do desejo, pra mim, são as outras coisas que considero eternas. Não morrem, mas se eternizam na memória de várias gerações.
De uns aninhos pra cá passei a pensar a vida e a mim mesmo de uma nova maneira. Mergulhei pra dentro dos significados da
“metanoia” dos gregos. Pra quem gosta de histórias, essa palavrinha foi pronunciada pelo Cristo num diálogo que teve com um sujeitinho covarde chamado Nicodemus, que o procurou às escondidas por temer os rótulos que receberia dos outros. Ele era alguém da elite, acostumado nas práticas de bom mocismo impostas pela sua religião, adepto dos clichês
“modus operandi” que até hoje muitos aderem –
“dize-me com quem tu andas e eu te direi quem és”, “quem com porcos se mistura, farelos come”, “pau que nasce torto nunca se endireita”, entre outros –, mas doido pra conhecer o Cristo de perto em razão de sua fama transgressora e ao mesmo tempo pacifista. O encontro está registrado por João no seu evangelho. O barato daquele encontro resultou na palavrinha
“metanoia”, quando Cristo lhe diz que seria necessário que ele nascesse de novo pra poder entendê-lo e, por consequência, entrar no clima daquela radicalidade pelo amor. A expressão foi traduzida de
“metanoia”, que é uma aglutinação de
“meta” [novo] e
“noia” [pensamento, conhecimento], ou seja, seria necessário que ele passasse a pensar a vida de uma outra forma, sem clichês mas apenas com sua verdade.

Se eu disser que falei meu primeiro palavrão aos trinta anos, poucos acreditarão. Se eu disser que nunca fiquei alcoolizado, mesmo depois dos trinta, provável que também não acreditem. Se eu disser que nunca entrei numa boate, aí terão certeza que estou mentindo! Se eu disser que, por várias vezes, inclusive recentemente, já evitaram de vir falar comigo em razão de suposto receio pela ‘falta de assunto’, acreditem, é fato. E tudo isso por quê? Porque o peso das estigmatizações dificulta o florescimento das nossas próprias idiossincrasias.
É por isso que não afirmo pra ninguém que sou um camarada bonzinho, que sou romântico, que envio flores, que choro em público ao falar de amor, que choro reservado ao ouvir canções de fossa, que jamais fiquei por ficar com quem quer que seja pelo valor que todos os seres humanos têm pra mim ou, pior ainda, que sou pra casar. Dez ou onze entre nove ou dez dos meus amigos mais íntimos dirão sem pestanejar que sou exatamente assim, sem pôr nem tirar. De uma maneira filosoficamente teimosa digo que estão todos
errados, mesmo envidando
patéticos e desajeitados esforços contrários... Como eu bem sei que é viciante o processo de adequação ao que esperam que sejamos, fujo - ao menos tento fugir! - dos clichês.
Antes que me polarizem como anarquista, explico meu ponto de vista defendendo categoricamente que pessoas são pessoas. E só. Eu sou mais uma que me distingo pelo que sou dentro daquilo que Marisa Monte identifica como infinito particular. Eis por que costumo dizer – e nem sempre sou compreendido no cerne – que eu não tenho virtudes e que, portanto, não sou o que esperam de mim! Meus limites são fruto da minha liberdade! Os meus amigos e todos e todas que de fato gostarem de minha companhia -
inclusive pretendentes - saberão quem sou pela proximidade na troca de nossas energias. Simples e radical. Coisa de gente livre. De tudo, até dos estigmas!
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E pra quem pensar que a força de minha verdade é mais forte que a solidez do amor, o que seria um contra-senso, pois vida em mim se dá pela via do amor, afirmo que sou mais um radical que sonha e que respira pelo amor.
Os porquês de minha radicalidade confessa lancei em farelos soltos enquanto me despedia deste post. Deu no que deu.
Eu confesso que...
Sou radical pelo amor que me irrompe as veias, me sacode os braços na direção do meu próximo – qualquer um! – e me torna sensível ao mundo que me cerca. Sou radical pelo amor que não me cala o sentimento, mas grita em muitos silêncios dentro e fora de mim.
Sou radical pelo amor que me enche o peito de esperança, as letras de significados doces e meus amanhãs com o recomeço. Sou radical pelo amor porque me visto de singularidade, mas não projeto em mais ninguém minha singularidade porque sei que projetar é destruir a beleza única do outro.

Sou radical pelo amor que torna meu ordinário o extraordinário de todos os momentos, que o faz belo por me importar. Sou radical pelo amor que me faz eleger o Bem cotidianamente nas coisas mais simples, reconhecendo que todo o processo é uma mística que só me inspira, nunca me cansa.
Sou radical pelo amor que me remete ao valor de todas as coisas, as que compreendo e as que ainda não sei como discernir. Sou radical pelo amor que nunca é pobre ou fraco, mas, às vezes, apenas tímido ou silencioso, incapaz de se encolher ou tornar-se indiferente.
Sou radical pelo amor que me compromete a toda atitude construtiva e que sacia não apenas a mim, mas ao outro. Sou radical pelo amor que dá sentido à Vida que há em mim, pondo sóis nas minhas janelas mais secretas, iluminando meu chão e todo o alicerce do ser.
Sou radical pelo amor porque é nele – o Amor! – que me banho o corpo, a mente e os afetos todos os dias. Por que não se banhar com companhia? – perguntaria qualquer curioso. Porque a porta está entreaberta, sem muita exposição, mas suficientemente convidativa para quem discerne o valor simples das coisas e a profundidade dos laços que se firmam nesse amor, o mesmo do qual sou eternamente radical...
E por falar em amor radical, segue um beijo para além das estrelas na bochecha de meu paizinho. Ontem, exatamente ontem, fez um ano que sepultei o seu corpo, e recomecei a aprender a percebê-lo nas coisas mais simples das lições que ele eternizou em mim. Saudades daquelas igualmente radicais!
Nota de rodapé: dedicado a todos que sabem, na profundidade dos significados, o que é amar sem impor ou esperar condições e, por isso mesmo, podem dizer que são de fato românticos, eternamente românticos... as I am (I suppose)...