quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Reflexão a partir da crise ética no Senado




Há alguns dias passados assistimos a uma cena [das muitas] no Senado Federal que chamou particularmente a atenção. O cartão vermelho que o senador Suplicy (PT/SP) deu ao senador Sarney (PMBD/AP), corroborando a veemente campanha da oposição – e por que não dizer da mídia também – pra que deixasse a cadeira de presidente do Senado. Na atual presidência foram muitos atos ditos secretos, quase sempre envolvendo contratações nepotistas, além de arquivamentos inusitados no Conselho de Ética, entre outras coisas próprias desta “res” [coisa, em latim] pública.

Não que seja contra as intenções do senador Suplicy. Creio que não existe mais espaço político para o atual presidente da Casa [Senado] manter-se por lá. O apego ao poder, no entanto, mexe com a fogueira das vaidades. É assim do lado de dentro e do lado de fora do Parlamento. Quem poderá dizer o contrário? Disto já se comenta há milhares de anos atrás. Em 64 d.C., nos primórdios da era cristã, Paulo escrevendo a Timóteo, mandou ver numa constatação primaz: “Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram”. E não são poucos os que continuam se desviando de seus propósitos originais, inclusive os políticos!

Pensando na questão do cartão vermelho, transfiro a luz dos holofotes para nós, eleitores. Sim! É preciso olhar pra dentro. Olhar pra perto. Olhar para o voto que damos. Quem foi que elegemos para o Congresso? À despeito da própria ambiência histórica e de seus avanços pós-modernistas, nunca se viu conservadorismo tão latente quanto na atual legislatura. O que isto nos diz respeito? Fomos nós quem fabricamos [nas urnas] esse conservadorismo, que, a contrário do que poderiam pensar seus apaixonados idealistas pelo passado, não beneficiou senão “os de sempre”. Torna-se cansativo repetir o óbvio, mas quem ainda espera que mudanças aconteçam a partir de conservadores, irremediavelmente terá que aguardar sentado. De pé há de cansar!

Quantos projetos imperiosos ainda estão sob os interesses dos joguinhos políticos, engavetados nas mesas diretoras das duas casas (Câmara e Senado)?

Quantos ainda não sobrevivem à margem da lei? Quanta gente boa ainda não carrega a invisibilidade ante uma sociedade que padroniza as formas em fôrmas conforme sua conveniência? Sim, nestas horas lembro-me dos negros e da grande massa de miseráveis cujo acesso a direitos mais básicos – saúde e educação, por exemplo – está cada vez mais difícil. Leitos nos hospitais não há. Vagas são poucas nas escolas de ensino fundamental. São quase nada nas universidades públicas (falo para essa parcela da população). Não posso esquecer da parcela LGBT tão massacrada com a insistência em não lhes serem reconhecidos vários direitos. E os portadores de deficiência? E os que se lançam em defesa das matas, das reservas, dos rios, lagos e lagoas? São tantos que não podem ser esquecidos! Mudanças pra todos estes ainda continuará na expectativa de uma esperança que, certamente, não virá nesta legislatura. Como disse o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), melhor seria se todos eles – senadores – fossem cassados por quebra de decoro parlamentar e se elegessem outros em seu lugar! Parece uma loucura, mas acerca de tal loucura o Arnaldo Jabor ironizou, rechaçando: “ele está certo!”.

Cartão vermelho, portanto, para os viciados em poder, para os desalmados que só se refestelam vendo o próprio umbigo inchar, para o conservadorismo não enquanto ideologia pelas tradições mas enquanto justificativa perversa e egoísta para impedir que “os outros” – quaisquer outros – também vejam o nascer do sol neste país; assim como cartão vermelho para nós, eleitores, que nem sempre fazemos do exercício do voto um ato consciente que visa sempre o melhor (não o nosso melhor, mas o melhor para o maior número possível de cidadãos, caso não se consiga o melhor para todos).

13 comentários:

Hugo de Oliveira disse...

O nosso cenário político é horrivel. Triste, mas real.

Amigo,


O Nosso-Cotidiano, completa esse mês 01 ano de vida. Por isso, durante essa temporada estou postando textos de amigos que fazem parte do meu show. E você é um deles...foi um dos primeiros a estabelecer contato.
Por isso, solicito sua permissão para postar um dos seus textos já públicados aqui...pode ser?

Algo sobre o Cotidiano.

Aguardo respostas.


abraços


Amigo, Hugo

Barbara disse...

Concordo com você.
E com Paulo. A cobiça é raíz e o que se vê no Congresso, na Câmara, é reflexo de nós.
Quase todo brasileiro quer mesmo é ganhar na Mega sena - eu também.
Enfim, parece que somos TODOS movidos à cobiça.
Talvez isso seja parte da psicologia de um povo que mora numa terra onde a riqueza é muita em bens naturais , sei lá se isso se aplica, a verdade é que o que acontece no poder é mesmo uma via de mão dupla.
Não houvesse eco na sociedade para tal, não haveria a necessidade de mostrar , manter poder.
Lembrando de Caetano Veloso em "Podres Poderes".
O crime é centralizar demais as riquezas, é inverter valores.
Acho que é.
Obrigada.

Cristiano Contreiras disse...

Parabéns pela atitude, sempre, do seu blog!

[Farelos e Sílabas] disse...

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Hugo:

Cenário político: por isso a certeza de que somente nosso voto consciente mudará qualquer coisa na próxima legislatura. Questão de esperança. Não dizem ser a última que morre?

Proposta pelo aniversário do “Nosso-Cotidiano”: rapaz, parabéns pelo niver do blog! Esteja à vontade para as homenagens!

Abraços duplicados, amigão!

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Bárbara:

Caetano é mais um dos muitos profetas da contemporaneidade. Gostei do comentário. Quando se invertem os valores a coisa fica feia. E tudo isso porque sai do “equilíbrio” que se faz justo quando as coisas caminham para o bem comum, tenha ela o nome que for.

A cobiça é a fome insaciável pelo “mais” que nunca chega por uma questão de apego, de desejo incontrolável pelo que pode ser (na projeção adoecida de quem imagina que é). Não diria que “todos”, até porque o desejo em si não é perversão de nada. Penso que a incontrolabilidade é que se amesquinha numa miséria fruto do desamor. Graças a Deus, nem todas as coisas caminham para esse mal...

Concordo que o crime, por assim dizer, é de fato centralizar demais as riquezas. Isto reflete que alguém [ou muitos “alguéns”] ficou sem elas. Daí a perversão, que nada mais é que o crime contra o que não é justo.

Volte mais vezes, Bárbara!

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[Farelos e Sílabas] disse...

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Cristiano:

Penso que uma sementinha pode um dia virar floresta. Questão de tempo, seja ela qual for. Por isso as palavras, algumas vezes, carregarem o sentido das minhas in-DIGNA-ações ante o que não é justo.

Obrigado pela visita, mais ainda pelas palavras semeadas neste campo-aprendiz!

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Éverton Vidal Azevedo disse...

Uma ótima reflexao. E eu compartilho especialmente de algo que dissestes, sobre o fato, sim fato, de ser cansativo repetir o óbvio. Um exemplo é o que dizemos sobre o voto. Quao importante é o voto consciente, e quano clichê parece isto, entretanto, ano após anos e nada de mudanças. É preciso repetir mais nao é?

E levo o link do seu blog para o meu.

Abraço.

Rodrigo Ortega Vieira disse...

Não li todo o seu post, porque fala sobre política, o que eu acredito ser uma coisa bem inútil... é uma das construções sociais que podem ser substituidas por coisa melhor. Mas de qualquer modo há coisas mais importantes para discutirmos agora do que política.
Se as pessoas pararem de olhar pra fora e começarem a arrumar dentro tudo vai começar a se ajeitar. ^^

Saudade de vir enxer o seu saco aqui.

Abços

Unknown disse...

EM parte temos culpa em sermos nós, como cidadãos, os responsáveis por escolher esta corja que governa o país. Fico me perguntando se esse país tem futuro com a mentalidade que domina a grande maioria da população. Sinceramente? Acho que não...
Não significa, contudo, que tenha desistido de fazer minha parte. Mas é uma parte muito pequena num oceano sem organização...

Abraço e parabéns, de novo!

Alex&Elisa disse...

Lembrei de você outro dia...uma matéria bem interessante...

anjo disse...

Sinto a tua falta!!!

Franklin Catan disse...

Acho que tem muita gente lá que merece o cartão vermelho e não só eles muitas gente fora(eleitores), que também merecem, pois são eles que colocam eles lá, está na hora de nós eleitores refletirmos sobre tudo que está acontecendo...
E fazermos uma eleição justa e voto seja sólido e correto, vamos colocar pessoas desconhecidas, políticos novos, pois a maioria dos antigos não estão merecendo os seus cargos!!!
Abraçso mais uma vez.. simplesmente muito bom o texto!

Leo disse...

O que se passa na mente das massas talvez seja mais difícil de se mudar do que o comportamento desses perdidos por ganhos. Se eles estão sempre lá, é reflexo do povo, sempre agindo igual na hora de votar. Cansei de ouvir pessoas dizendo em época de eleições que escolhem determinado candidato somente porque ele é o mais forte para derrubar o outro, não pelas suas idéias. Aliás, como podem analisar idéias se nem as ouvem? Essa mania de desligar a tv durante o horário político... Cartão vermelho especialmente para as massas!

É a primeira vez que visito seu blog, tendo o encontrado numa googlada aleatória. Raramente encontro blogs e autores com os quais me identifico tanto! Vou indicar seu blog, e certamente voltarei mais vezes.

[Farelos e Sílabas] disse...

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Everton:

Rapaz, este é o xiz da questão.
Abraço retribuído com gratidão por ter linkado o blog!

===> Não é clichê: Feliz 2010!

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Drigão:

Rapaz, seja sempre bem-vinda tua volta!

Política, infelizmente, não é bem discernido ante o que tanto assistimos (em relação aos políticos, não à política). Mas, em si mesma, não é ruim (como nada em si mesmo é ruim). Sempre dependerá do “como” olhamos pra fora. E o “como” está intimamente relacionado ao olhar de dentro. Bem, mas aí já entramos no campo das reflexões. Por ora, fica o meu registro de gratidão pelas tuas palavras! Cara, nunca me enche o saco. Fica tranqüilo... rs...

Abraço! Feliz 2010!

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Evarist:

Rapaz, 2010 está aí! É tempo de recomeçarmos a agir com o mesmo empenho do ano passado em prol de alguma coisa melhor. Depende de nós, não dos outros, não deles. Portanto, a gente é que tem a faca e o queijo na mão.

Vamos organizar o desorganizável?! Vamos!

Abração, cara!

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Alex:

Lembrou? Humm...

Depois, conte-me os porquês e as reticências em toda a narrativa.

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Jota:

Psiu! Eis-me aqui, rapaz!

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Franklin:

Que acerto!

Bem, este é um excelente ano pra começarmos bem as mudanças!

Abraços esperançosos para este ano!

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Leo:

Cara, de início, um abraço como certeza da identificação!

Quanto às massas, fugindo um pouco da lição rodriguiana sobre a unanimidade, penso que é preciso repensar e ressignificar muita coisa. A TV desligada no horário político, o considerar política coisa nenhuma, etc, só nos traz TODA a [ir]responsabilidade que, de forma elegantemente freudiana, transferimos para “eles”, os “outros”, o tal inferno já dito pelo filósofo.

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