sexta-feira, 18 de julho de 2008

Vidas, portas, janelas e varandas


A vida tem seus vieses particulares, bem a seu modo de mostrar-se fôlego de existência sobre a criação. A vida é escola. É caminho. É chão. É solo pra quem pisa. Não se sabe se torto ou com quaisquer certezas. Dependerá de quem pisa, não propriamente do solo.


A vida também é mar de muitas imensidões, cada uma dentro de outra até se esgotar o inesgotável das regiões mais abissais. Até lá, no entanto, há vida manifesta. Só é preciso ir lá pra conferir. Mas vida há. Pra uns, termina. Pra outros, recomeça. Pra uns e outros, reinicia-se. Falo de reinício, o que é diferente de ressurreição. Esta última é palavra-verdade própria do cristianismo. Renascimento é mais adequada como vestes para as religiões orientais. Gatos há que têm sete. Gatos há, eu já vi, com apenas uma vida.


Mas o que entendo por vida prossegue...


Vidas são casas. Há algo diferente em cada um de nós por zilhões de razões, porém todos concordamos que somos casa de nós mesmos. Nós nos aninhamos em nós. Nossa casa é nosso lar. Nosso lar é nossa vida. Há sentido. Todos os sentidos. Por falar neles, às vezes sinto na vida os odores das poesias de Adélia Prado. São olfativas e me inspiram cheiros de lembranças na vida. Sei que minha parcialidade interfere porque gosto de Adélia. Gosto também das construções poéticas nos versos de Alice Ruiz. A cada vez que leio, sei e sinto que a vida é estigma de sentimentos à flor da pele. É o sentir a nossa identidade dentro da casa que nos guarda a alma. Vida quando sentida – posto que há muitos que sequer sentem que estão vivos! – é como porta aberta com brisa expirando e inspirando nos corredores do peito. Fecho os olhos e sinto que meus corredores se iluminam no respirar.


Viver, pra mim, é tal qual palavra que se constrói sentado na espreguiçadeira. Tudo isso, diga-se, dentro da casa que nos habita. Vivo dias nos quais meu maior desejo é refestelar-me num canto qualquer. Não importa qual. Basta o que tiver desocupado e não for de ninguém. É bem ali que me sento dentro de mim sem querer fazer nada. A casa é o nosso bem-querer de nós. Quem não se ama, não sabe se habitar. É casa mal cuidada sob névoas e poeiras de males sem fim lhe sendo encobertas silenciosamente.


Viver é uma ação diária no cuidado de nossa casa-existencial. Viver não é apenas verbo. Ele não satisfaz sem o sujeito “nós”. Viver ensimesmado é conjugação indireta de um verbo que não transita além de si. Isso é trancar as portas e janelas da casa por medo de se perder no outro. Não cai bem. Viver é, portanto, palavra-ação que mexe no mundo da gente e bagunça tudo. Põe diferente a cada dia, de tal modo que nenhum dia é igual ao que se passou. Põe diferente a casa da gente, igualzinho como faz no nosso mundo. E como é bom saber que tudo muda, até a vida da gente quando portas e janelas se abrem.


Sei, contudo, que há portas que se fecham para os precipícios. Janelas há que não se abrem para o que se foi. Mas há janelas e portas talhadas em esperança. São destas que falo quando as abro ao convite do Sol, ao contemplar o raiar de sua Graça em mim. Portas e janelas de esperança. Nem sempre se mostram fáceis de serem reconhecidas. Mas estão lá. Inteiras e vistosas. Abertas como as oportunidades do dia que sempre se renova. É preciso olhos de criança pra percebê-las como são. Crianças vivem suas próprias casas repletas de energia dos sonhos. É preciso mais? Eu ainda tenho muito a aprender com elas...


Além das portas e janelas que a vida apresenta em cada casa, as varandas acordam para seu papel não menos importante.Quem nunca varandeou é porque nunca soube aproveitar o ócio. Escutamos muitos barulhos existência adentro. Como fica o necessário silêncio? Mestre Cohen, na palestra a que assisti em junho passado, disse com propriedade que o silêncio tem o nosso próprio som. Precisávamos ouvi-lo, orientou-nos com monástica sabedoria. Não é fácil ouvir nosso silêncio nos tumultos da vida. Aquietação. Eis a palavra que se estabelece como convite. Aquietarmo-nos um pouco nos ventos e vaivens do estresse diário. Um instante que seja. Isso é varandear no existir que se assenta no canto que a gente mesmo escolhe.


Se me perguntassem o gosto de habitar em nossa casa-existência, evitaria falar do óbvio. Sentir a ternura da brisa que desliza pelo ar através das portas e janelas abertas. Este é o óbvio. Talvez falasse de outros sentires. Alguma coisa próxima de um abraço paternal, quem sabe? Servem outros abraços desde que sejam com expressão protetora e acalentem o som do nosso silêncio. Um abraço bem dado carrega a sensação de uma casa feliz. Por entre os braços, adentro com minha casa dentro da casa que me sorri no abraço. Numa troca de alguns instantes, eu varandeio no abraço bem dado. Ao lado das janelas, que são os olhos, as portas surgem como as oportunidades. As varandas sorriem nos instantes nos quais paramos pra nada fazer senão nos ouvir, silenciosamente, nos abraços. Cada casa tem as suas. Sejam janelas, portas ou varandas. Não importam onde tenham sido construídas desde que haja alicerce firme. Os vieses são particulares nas formas e nos meios que usamos pra aproveitar (ou não) o prazer de viver. Prazer tem a ver com gostos e cheiros de múltiplas lembranças. Prazer de viver tem a ver com as poesias de versos penetrantes. A cada verso, uma palavra construída que cai preparando telhado. Afinal, casa que é casa precisa de telhado.


Portas, janelas e varandas. Depende de quem "se" vê. Depende de como "se" vive. Casa feliz é casa que “se” ama. Pergunte às crianças. Elas sempre verão com o coração que se requer de todos. O "se" foi mais uma partícula ensinada por elas...

2 comentários:

Serginho Tavares disse...

adoro te ler
é tão importante pra mim isso
ô
beijos meu amigo
te amo muito
se cuida sempre

quero habitar cada vez mais dentro de mim de uma forma carinhosa e aconchegante.

Luis Fabiano Teixeira disse...

Rick, vc já está linkado ao meu blog. Enfim, amigo, aprendi a mexer nessa geringonça rs Não é nada tão elegante quanto o seu, mas um dia eu chego lá. Se cuida. Prometo vir aqui com mais calma. Abração!!! Luis

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