Um mês e meio se passou. As palavras não emudeceram, saibam disso. É que tem horas que a gente cala pra se ouvir mais. Por outro lado, há tantas formas de se fabricar uma palavra. A escrita é apenas uma delas. O caracter é outra na dimensão informatizada. Há palavras que não se dizem, mas se percebem. É nítido. É evidente. Quantas vezes disse tantas palavras em meio ao burburinho de apenas-olhares!... Calei-me por aqui, nessas terras, mas me fiz ouvir em outras. O twitter é só mais uma delas. O e-mail [como tenho usado ultimamente!] é outra terra que frequentemente recebe as pegadas de minha presença e de meus suores...
O fato é que estive ausente de um canal que me fascina e por intermédio do qual tantas portas se abriram. Portas de entrada para gente do bem. Semeadores de vida na vida de quem os lê. Assim é que sinto o clima “humano” na blogosfera. Falava dia desses com amigos a respeito do sentir a humanidade. Aliás, ontem também falei numa aula em pleno domingo. Sentir a humanidade é pra quem tempo de ouvir o outro. Às vezes soa contraditório falar exatamente disso dentro de uma perspectiva no planeta
“world wide web”, fica meio raso, sei disso, afinal, a internet é um mundão sem porteiras. Pessoas entram e saem tais como as informações. Costuma-se não ter tempo para ouvir.
As usual as natural... Mas, convenhamos, o contraditório está em nos fazermos gente que para e ouve em meio à multidão que apenas passa, não semeia nada porque não traz nada para oferecer ao outro.
Tenho buscado sentir o outro na sua dimensão histórico-sócio-cultural. Minha pretensão é tanta que diria ser um exerciciozinho de amor pela humanidade. Tudo bem, ando meio que abusado ultimamente. Não é nada premeditado. Acontece. Por outro lado, não é olhar o outro com quaisquer outros olhos. Não! Já vivi isso numa parte de mim que se foi com um novo florescer de idéias e de transformações no ser. É olhar com vontade de entender, acolhendo, ainda que. E quando falo em acolhimento não afirmo que concordo com tudo o que olho e entendo (ou não). É apenas lançar um bom olhar sobre o outro, de modo que ele não seja “o inferno” de Sartre nem o “lobo” de Hobbes. Seja apenas o que é pra mim, o que fará toda a diferença.
No entanto, olhar o outro com os olhos dos outros é o que fomenta o mecanismo sórdido das nivelações de um humano para outro. Aqui, pelo licença aos desavisados para me referir às nivelações que nutrem o
“status quo” do universo dos preconceitos. Apenas para ilustrar o que acabei de dizer, na semana passada meu amigo Márcio Retamero – que lançará seu segundo livro daqui a duas semanas -, dizia num editorial: “reduzir a pessoa humana à sua orientação sexual é de uma violência atroz! Dia desses eu lia uma manchete de um jornal do nordeste: ‘Gay em Alagoas é morto’; nunca li: ‘Heterossexual carioca é preso’, ‘Mulher heterossexual paulista é assassinada’. Por que reduzir uma pessoa à sua orientação sexual? Porque o preconceito usa dos rótulos para denegrir, reduzir e rebaixar socialmente.”
Então, pra mim, que sou um carioca tão limitado e com tanto caminho pela frente a percorrer, que, embora tendo caminhado até aqui em segurança, já foi vítima de preconceito e do que atualmente se convencionou chamar
bullying, já foi traído muitas vezes por mim mesmo (porque o outro, o qualquer outro, apenas foi o que foi pela minha desatenção em não observar que o mundo não é um eterno comercial de margarina e que pessoas nem sempre falam com palavras, mas com pequenos gestos, ou seja, na perspectiva da lição ensinada pelo pedagogo Jesus quando afirmou que
“pelos frutos os conhecereis”), ter mudado radicalmente minha maneira de pensar o mundo, a vida, as pessoas e sobretudo a mim mesmo – a tal
“metanoia”, palavrinha traduzida por “conversão” – é que me estimula a percorrer neste caminho, caminhando com vontade de aproximação. É o ter tempo para ouvir ao qual me referi no início dessas palavras. É o construir pontes, e não muralhas, conforme li na obra de Colin Higgins,
“Ensina-me a viver”, clássico dos anos setenta que acabou virando peça de teatro e filme.
Gozado que escrevi tudo isso em meio a um ar de ceticismo pelo desenhar das nuvens que anunciam um temporal daqueles. Sim, pesquisas indicam que a próxima legislatura no Congresso Nacional tende a ser a mais fundamentalista de toda a história, considerando o avanço do fundamentalismo religioso que se candidatou nos TREs (tanto nos que concorrem pela primeira vez quanto nos que desejam se manter em seus cargos eletivos). Num próximo texto explicarei melhor as minhas razões. De antemão, saiba-se, é legítimo que um fundamentalista se candidate e seja eleito. Entretanto, não é legítimo que faça de sua legislatura uma orquestração para olhar o outro com o olhar da religião, a qual sempre divide [pois só o amor constrói, liga qualquer coisa!], impedindo que muitos avanços alcancem uma parcela da população da qual faço parte. Mas, no final das contas, penso que tudo isso apenas sirva como [mais uma] lição para eu aprender a ter cuidado com meu olhar, sabendo que
“não se colhem uvas dos abrolhos”. É o que disse, sou apenas um aprendiz com muito o que caminhar pela frente...
Notinha de rodapé:
A imagem acima foi proposital. Busquei a autoria para a questão dos créditos, mas não a encontrei. Achei-a provocativa num texto que li, no original em inglês, falando sobre impressões equivocadas que temos sobre algumas coisas que apenas aparentam ser. Mas não são. Ou, quem sabe, são muito maiores que a imagem. Reduzir o que alguém é a uma imagem é coisa de publicitário. Não deveria ser assim no cotidiano. Jefferson Lessa, no brilhante texto
“Medo de ser”, publicado ontem no jornal O GLOBO, fazendo referência ao
bullying pelo qual passou, traduz o cotidiano como feito de muitas e pequenas coisas que deveriam ser levadas em conta (ao invés de um rótulo). É por aí...