segunda-feira, 22 de março de 2010

Soltando grãos de pensamentos

O verão nos deixou como necessidade. Era preciso partir pra que o outono desabrochasse. Com a despedida silenciosa do verão, foram-se os dias mais quentes dos últimos anos. Foram-se litros de transpiração por todos os poros da pele desde o primeiro dia de sua chegada. Foi-se para o baú das memórias. No final do ano, depois de abrilhantar muitas peles com seu bronzeado, é certo que voltará. A certeza do retorno é precisa nas dinâmicas do jogo da vida. Não estou falando do inesperado, menos ainda do que nos foge às certezas [sim, porque há muito mais incertezas debaixo do céu que as ditas certezas]. Ao menos neste caso a gente sabe que o verão há de voltar. Eis uma certeza daquelas certeiras, coisa rara. A realidade de que foi ninguém duvida.

Não falarei sobre o outono, até porque gosto dos ares da estação. Só fico cauteloso quanto aos elogios porque a previsão – feita por quem diz que entende – é a de que este outono nasça esculpido pela forte sensação de calor. Mais que suposições do momento, os pensamentos insistem que sejam elocubrações meteorológicas. Nada muito certo, coisas das nossas incertezas mais sutis. Segredos irônicos da natureza. Deixemos isso de lado.

Minha mais absoluta certeza é a de que o verão nos deixou. Gosto de pensar ‘o deixar’, não de deixar propriamente. Costumo deixar pensamentos na janela da minha varanda. Não deixo propositalmente, quando me dou conta foi lá que permaneceram. Tem dias que os quero de volta de súbito. Não consigo. Gosto de me deixar à vontade quando preciso. Confesso que não gosto de deixar certas manias. Exemplo disso é que durmo tarde, uma mania que ma fascina porque o silêncio da noite me inspira. O pior é acordar cedo ciente que a noite não me deixou dormir o sono dos justos...

Pensando sobre o que já deixei poderia escrever uma lista enorme. Já deixei de ser menino, muito tímido, inseguro, esquisito, afobado, ingênuo, intolerante, cínico, babaca, arrogante, pegajoso, medroso, religioso, irrequieto, preocupado com o ter, descrente, desmedido, contradizente, cruel, homofóbico (sim, tive homofobia internalizada por anos!) y otras cositas más... Pensando sobre o que já me deixou, a lista também não seria curta. Pra começo de conversa, o afortunado dinheiro. Já dizia o mestre Paulinho da viola, dinheiro é vendaval quando está na mão. O que dizer dos sonhos? Alguns se foram com a maturidade; outros fui vendo que era melhor transformá-los em realidade. Pessoas são as mais doídas quando nos deixam. Não falo só de esquecimento ou decisão de partida; neste caso, incluo também a morte e a própria ausência (injustificada ou não). Já fui deixado por quem amei. Pensamentos, pessoas e muitas coisas (dentro e fora de nós) podem nos deixar a qualquer momento. Se nos deixaram, seguiram seu caminho. Foram-se como grãos de areia que a gente solta quando quer regá-los na praia. Não é assim o fluxo natural da vida? Farão como o verão, que sempre volta? Creio que não!

Nem todas as coisas merecem voltar...

Nem todas as pessoas farão em nós uma estada permanente...

Nem todas as perdas são derrotas, nem todas as ausências, vazios...

A vida é feita de escolhas, mas também de incertezas. É, eu tô sabendo disso aos poucos. Deixar por deixar, vou ‘me’ deixar quieto por enquanto...



22/03. Só pra não deixar de lado. Só pra não deixar de lembrar do que nos é vital.

Que não sejamos deixados à margem dos rios, dos lagos, dos mares, dos oceanos, enfim... Não se trata simplesmente de vir com aquele papo [que não deixa de ser super sério!] sobre meio-ambiente e tal. É uma questão vital, a gente sabe [ou não deveria deixar de saber!]. Quando a gente não cuida do que é nosso, nós é que nos deixamos à margem. Tenho aprendido que isso vale pra tudo. Se a água não for racionalmente usada, não será a mencionada água que nos deixará. Nós é que nos deixaremos de lado. Uma existência assim não é vida, mas sobrevida. Um caos que não precisa acontecer. Depende de nós! Eu me recuso a viver à margem de qualquer coisa, de qualquer pessoa, de qualquer circunstância! Eu e muitos de nós! Quanto a mim, estou certo. Quanto aos demais, eu acho. Quanto à água, sou convicto e ponto final!

11 comentários:

Daniel Savio disse...

Apesar de deixar tantas coisas assim, você nunca deixou de procurar a felicidade.

E realmente um recurso precioso a água.

Fique com Deus, menino.
Um abraço.

Mãezinha Anna Maria disse...

Boa tarde, meu filho!
Que texto lindo!... Só que achei um pouco triste, pois não gosto de pensar que houve alguém que amamos e que nos deixou. NÃO!
Se aconteceu, é preciso que voltemos ao passado para saber se realmente, no presente, tivemos a capacidade de dizer: Eu te amo! Será?

Quanto ao que você escreveu:
"Nem todas as coisas merecem voltar..." - Porque não?

Nem todas as pessoas farão em nós uma estada permanente..." - Eu penso um pouco diferente, pois para mim uma amizade sincera é permanente e mesmo tendo morrido, continua viva em meu coração.

Nem todas as perdas são derrotas, nem todas as ausências, vazios..."
Realmente é o que sempre pensei com relação às perdas que tive e as ausências também, só que acredito muito em um sentimento sincero, principalmente quando digo a alguém que "te amo", estou certa da minha sinceridade e os "vazios", tenho procurado enchê-los de amor.

Filhote, para mim o melhor de tudo é saber que um dia eu tive a felicidade de encontrar tantas pessoas que me amam!...

Quanto ao que você já deixou para trás, foi trans-FORMADO em coisas boas e hoje posso afirmar que você está quase 100% carioca, rsrsrs...
Claro que falta algumas "cositas" para serem "cambiadas", mas quando a mãezona mineira voltar na sua Travessa, aí sim, sai da reta que lá vem "chumbo"...

Lindo de mãe, um beijo grande no seu coração.

Dil Santos disse...

Bom dia Cardo, tudo bem?
Menino, eu não gosto muito do verão não, eu adoro o inverno, aquele friozinho bem gostoso, nossa, é tudo de bom, rsrsrs
Nada contra as demais, mas o inverno é mais aconchegante e tal, ficar juntinho, humm, rsrsrs
Hj tem post novo, rs
Bjo
:)

Mãezinha Anna Maria disse...

Bom dia, filhote.
Voltei para escrever algo que achei muito bonito, ao ler um trecho que estudamos ontem sobre a confiança, - conscientes do tempo (passado e presente), de Giussani.

"Mesmo que a tempestade seja densa no meu caminho, mesmo que a noite fique negra, Tu estás perto".

[...] "A consciência do nosso passado, depois que descobrimos esses dois pontos fundamentais - que nós não nos pertencemos, que o tempo não nos pertence, não nos pertenceu; e que quem nos deu o tempo, o deu para o nosso bem, Salvador - tem uma terceira coisa a nos dizer. Não é uma categoria fundamental, é uma categoria passageira, por sua natureza passageira, no sentido de que por sua natureza deve ser superada, atravessada."

Ontem ao lermos este capítulo sobre a confiança eu me lembrei do seu texto. Me veio a mente alguns pedacinhos que você escreveu e que me tocou muito, ao me colocar também diante de tantas coisas que eu deixei de lado e que poderia dar um rolo imenso de papel se fosse escrever...
Só que ao me transformar, ao deixar muitas coisas para trás, eu passei a ter mais confiança em tudo que me tornei porque tenho a certeza da Presença em minha vida.
E esta certeza é que me faz, a cada dia, sentir vontade de viver e de estar na companhia daqueles que me amam e que me fazem um bem enorme.

Era isto, meu querido. Queria compartilhar mais um pouquinho com você.

Um beijo grande.
Você continua sempre ser muito especial para mim.
Mãezinha mineira.

[Farelos e Sílabas] disse...

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Daniel:

Ah, Daniel! A vida é um percurso fascinante, não?
Obrigado pelo carinho, rapaz! Abração!

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[Farelos e Sílabas] disse...

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Mãe:

Boa noite, minha lindona!

Não que seja tipicamente triste, já produzi alguns assim, mas é porque a alma transborda com alguns incentivos vez por outra... Daí, acabamos escrevendo – fabricando farelos e sílabas – com aquilo que segue no momento da criação. Já deixei tanta coisa! E cresci tanto! E me tornei cada vez mais humano! E cada vez mais homem! E cada vez mais inteiro! E cada vez mais consciente...

Sim, encontrar pessoas que a gente ama é um privilégio enorme!

Hehehe! Adorei o restante!

Beijos de GRATIDÃO! Sempre!

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[Farelos e Sílabas] disse...

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Dil:

Boa noite, meu queridão!
Somos dois com o mesmo sentir, então... rs...
Beijos outonais, meu amigo!
Axé! :)

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Wagner disse...

Bom dia Cardo,

Quantas e quantas vezes deixamos alguma coisa ou deixamos de fazer alguma coisa. Fico às vezes pensando o que é pior, e acabo achando que o pior mesmo é deixar de fazer... Deixar de agir, de arriscar, de vencer os medos, receios, e depois não restar nada mais do que um arrependimento incurável. Pior que a gente nunca aprende...

Belo texto.

Um abraço!

Edilson Cravo disse...

Querido Ricardo:

Precisamos todos os dias nos lembrar quem somos e o papel que desejamos atuar neste grande e mágico filme chamado VIDA.Linda semana e fique com Deus.Beijão.
www.lua2gatos.blogspot.com

[Farelos e Sílabas] disse...

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Wagner:

Boa tarde, rapaz!

Não-fazer. Nada fazer. Não-ser. Não querer ser. A vida passa num segundo. A gente fica só na estação... este final pode [e precisa todos os dias] ser mudado!

A gente aprende sim, a passos curtos, mas aprende. É o que penso.

Abraço[s], meu caro!

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[Farelos e Sílabas] disse...

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Edilson:

Coadjuvantes ou protagonistas? Fazer a diferença ou sermos apenas ‘mais um’? Quantas indagações! Que cada um discirna pra si mesmo, diariamente...

Que o amor do Todo-amor te seduza!

Beijo, querido amigo blogueiro!

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