Domingo encontrei-me com um antigo aluno, na verdade, um amigo daqueles que a gente não vê há algum tempo. Chegamos a trabalhar juntos numa ONG há três anos atrás. Após o papo habitual de como-vai-isso e como-anda-aquilo, recebi uma sentença: “Você está muito melhor agora!”. Como assim? Perguntar não ofende, principalmente quando eu mesmo me perguntei logo depois que ele se foi. Não costumo ser curioso, por isso não quis perguntar a ele os motivos da sentença. Parecia claro falar de mudanças em mim. Mudanças pra melhor, disse. Outra pergunta me ecoou nos porões da alma: e como deveria ser antes ou, quem sabe, como aparentava ser antes?
Gozado como a gente muda conforme a sede de verdade. Minha sede era pela minha verdade. Considerando o ambiente familiar, passei anos e anos vivendo a verdade imposta pra mim. Inquestionável, num certo ponto. E por quê? Apenas porque algumas construções são difíceis de serem derribadas. Quando a gente constrói idéias sobre fé, moral, verdade, absolutizando o sentido conferido a elas, pouco espaço sobra para o pensar diferente. A coisa rola simplesmente porque é assim, e, em sendo assim, ‘funciona’. É uma espécie diazepânica de comodismo.
Ontem resolvi rabiscar uns pensamentos sobre mudanças. Cheguei a compartilhar um deles, a pedido de minha querida amiga Léa, que escreve seu livrinho (como ela mesma o chama) e precisava de algum farelinho por lá. Penso que toda mudança é uma trans-FORMA-ação. Sim, uma ação que vai além de, que ultrapassa algum limite, o limite da forma original. A gente só muda o mundo quando muda o olhar do mundo da gente. Que puta viagem! E foi uma viagem dessas que fiz à procura de minhas próprias verdades. Aquelas mais suadas, porém feitas por mim e sob minhas medidas. Acreditem, tinha passado dos meus trintinha (com cara de vinte e cinco!). Não me arrependo; aliás, do que me arrependeria? Derrubei muros enormes. Não foram desde sempre. Arranquei peles que me vestiam a pele. Acho que as vesti nas muitas estações da vida. Criei tsunamis dentro de mim que nem mesmo sei como não sucumbi. Recebi adjetivações nada gentis, mas a minha sorte é que não entreguei verbos nem pronomes aos bandidos. Caí no conceito de alguns (e como festejei tudo isso! Que delícia cair do conceito de alguém! Como isso nos torna absolutamente livres, tão livres como livre deve ser um ser humano verdadeiramente humano!). Como resultado de tanta ebulição, produzi raízes gigantescas pra todos os lados! Amigos passei a tê-los em razão de simplesmente existir. Isso deve bastar aos amigos. Nada em troca. Nada pra barganhar. Não tenho amigos porque sou gentil, rico ou famoso. Tenho-os porque eu sou assim, eu-eu-mesmo e ponto. Que dádiva! Quanta liberdade!
Acho que me revolucionei. Não, estou certo que estou me refazendo. Transformando-me. Dia a dia, um pouco mais. Sinto-me nu diante da porta aberta do quarto. Sigo pela sala e debruço na janela. Avisto alguém do lado de lá. Estão me olhando da janela,a janela de seus olhares curiosos. Qualquer uma. Qualquer um. Olhando-me nu e inteiro. Quem se importa? Eu? Que nada! Já me transformei para além desse detalhe...
Por falar em transformação... uma reflexãozinha de Rubem Alves.
Há tempos não postava nada dele por aqui...
“(...) A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.
Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.
Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.
Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. (...) É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.
"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.”
Gozado como a gente muda conforme a sede de verdade. Minha sede era pela minha verdade. Considerando o ambiente familiar, passei anos e anos vivendo a verdade imposta pra mim. Inquestionável, num certo ponto. E por quê? Apenas porque algumas construções são difíceis de serem derribadas. Quando a gente constrói idéias sobre fé, moral, verdade, absolutizando o sentido conferido a elas, pouco espaço sobra para o pensar diferente. A coisa rola simplesmente porque é assim, e, em sendo assim, ‘funciona’. É uma espécie diazepânica de comodismo.
Ontem resolvi rabiscar uns pensamentos sobre mudanças. Cheguei a compartilhar um deles, a pedido de minha querida amiga Léa, que escreve seu livrinho (como ela mesma o chama) e precisava de algum farelinho por lá. Penso que toda mudança é uma trans-FORMA-ação. Sim, uma ação que vai além de, que ultrapassa algum limite, o limite da forma original. A gente só muda o mundo quando muda o olhar do mundo da gente. Que puta viagem! E foi uma viagem dessas que fiz à procura de minhas próprias verdades. Aquelas mais suadas, porém feitas por mim e sob minhas medidas. Acreditem, tinha passado dos meus trintinha (
Acho que me revolucionei. Não, estou certo que estou me refazendo. Transformando-me. Dia a dia, um pouco mais. Sinto-me nu diante da porta aberta do quarto. Sigo pela sala e debruço na janela. Avisto alguém do lado de lá. Estão me olhando da janela,
Por falar em transformação... uma reflexãozinha de Rubem Alves.
Há tempos não postava nada dele por aqui...
“(...) A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.
Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.
Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.
Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. (...) É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.
"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.”
20 comentários:
Oi rapaz! Vinha ao seu Blog com freqüência, comentei algumas vezes e depois, com tristeza, verifiquei que estava meio que abandonado...
Foi com alegria que o vi novamente recriado, e com sinais de uma bela trans-FORMA-ação, como costuma escrever e brincar com as palavras. parabéns! Contente por tê-lo de volta.
Um grande abraço e ótimo fim de semana.
Por que ainda me maravilho de que possa beber neste ribeiro fresco e cristalino águas que dificilmente brotariam em outro lugar???
Cada vez que venho aqui, algo me toca, surpreende, afaga meu ser-no-mundo.
Esse teu depoimento pessoal foi especialmente tocante. Parece que tuas palavras são minhas palavras, tua vida é minha vida, tua metamorfose é minha metamorfose (já usei esse termo no meu blog quando falei do meu aniversário de 40 anos).
Que delícia encontrar em ti tanto eco de mim mesmo. Talvez seja porque, no fundo, eu adoro a mim mesmo. Pode soar (ou ser de fato) um tanto narcizista, egoísta, dizer isso, mas é incrível como no outro a gente vê de si próprio o "idêntico" e o "diverso", e passa a se entender melhor.
Você está construindo um LINDO SI MESMO e eu estou adorando ter o privilégio de ver um pouquinho do teu reflexo nas águas deste ribeiro fresco e cristalino que é o teu blog!
O teu idêntico me afaga e o teu diverso me desafia!!!
Um beijo entusiasmado e carinhoso!
Sergio Viula
www.glsgls.blogspot.com
Huhum, eu entendi, você mudou através da tua procura por si, o verdadeiro eu, mas qual é a mudança para hoje (pois podem ser feita mudanças a curto prazo)?
Fique com Deus, menino.
Um abraço.
E a transformação, por mínima que seja, é uma travessia difícil, né? Acho que ainda sou milho de pipoca.
você ta melhor sempre
ps: o post de hoje em meu blog é dedicado a você também!
Queridão:
Feliz o homem que tem a capacidade de se transformar.Acredito que todos temos(ou deveríamos ter)como meta nos tornarmos seres mais evoluídos.Melhorar sempre, com pão,vinho,pipoca e amor,muito amor.Amei(pra variar)teu texto.Lindo fim de semana...beijão.
www.lua2gatos.blogspot.com
"Quanto mais nos elevamos,menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar"(Nietzsche)
===
Wagner:
De trás pra frente:
[1] Obrigado, meu caro. Ótimo final de semaninha! Abraços!
[2] Eu sempre volto. Sempre me recrio também. Acho que o blog segue como sombra... rs...
[3] Então, tá! Gostaria de [voltar a] [te] receber nos comentários. A casa é grande, tem sempre acolhida para sílabas que se achegam [ou retornam]. Um grande “oi” pra não dizer “até!”.
===
===
Serginho Viula:
Meu amigo adjetivadamente querido-sábio-louco-puto-modesto-equilibrado-gargalhento:
Por que ainda se maravilha? Bom, porque a gente se enxerga com as janelas abertas. Não falo dos olhos, e sim das fontes de vida. Se bem que suas gargalhadas falam mais desafinadas que os olhos... [rs]
Sabe que as impressões que temos ao observar a trajetória é, no fundo, um ensimesmar-se profundo? A gente esquece da gente por frivolidades. E pensar que um dia a gente chamou de ‘verdade’!... Transformar-se é um trabalho de artífice. Todos somos convidados a pôr a mão na massa. Triste é constatar que não são todos os que atendem ao convite da vida, o chão desta existência, o caminho de salvação, o da nossa própria, a de nós mesmos, enfim, uma gloriosa redenção existencial!
Adorei o “lindo si mesmo”!
Adoro tua presença, amigo tão assemelhado e individual, meu ateuzinho mais crente na vida e nas suas possibilidades!
Beijão tão certo quanto tua inteireza!
Cardo
===
===
Daniel:
Então, [penso que] a mudança está em nós. A partir daí, tudo floresce!
Mudança de hoje? Ah, não esquecer que minha dívida persiste: sê feliz agora!
Abraços plurais [porque cansei de ser previsivelmente singular]!
===
===
Dieguinho:
Difícil e gloriosa. Individual e perene.
Acho não, você é milho de pipoca. Dos bons. Distante de ser piruá, o milho que não pipoca!
;)
===
===
Serginho Tavares:
Gentil! É o que você é!
Ok. Vou ver, dar aquela espiadinha!...
===
===
Edilson:
Feliz o homem que se permite à transformação mais radical, a de dentro pra fora!
Feliz fico eu TODA vez que vem aqui e torna os farelos uma espécie de pièce de résistance.
Um beijo, meu caro! Lindo final de semana, igualmente!
===
_________________________________________________________________a sede da verdade é um caminho de primavera no fim do inverno__________________________________________________
abraço-te muito assim «
Olá, acho que o comentário que eu submeti ontem não foi recebido.
Sendo breve, eu disse que mudar é difícil, mas constatar que mudamos é recompensante.
Além disso eu observei que aqui em Goiânia não existe Igrejas inclusivas ainda e que os rapazes daqui estão se espforçando para criá-la.
Abçs.
Filho, vim apenas para dizer que em cada palavrinha que você escreveu, eu me orgulho mais e mais de você pela sua trans-FORMA-ção.
Sinceramente, desde que nos conhecemos em 2000, você mudou radicalmente e isto me fez te ver mais lindo do que já é.
Cheguei ontem a noite de Cabo Frio. Coloquei lindas fotos no orkut. Pena que você decidiu sair de vez de um programinha que para mim tem sido uma alegria, pois só conheci gente boa de Deus.
Quando puder eu mando algumas fotos para você, só espero ter uma resposta aos e-mails enviados ultimamente.
Um beijo grande no seu coração.
Mãezinha
P.S. Uma poesia de Cora Coralina:
PEDRAS E FLORES
Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras cresceu
a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
===
Jota:
Preciso dizer mais?
Ao menos com as palavras_____________não.
Devo-lhe palavras em____________abraços!
Prazerosamente_________devo-lhe, amigo!
===
===
Well:
[1]
Pena! Não recebi mesmo!
Tudo bem! Veio este outro!
Isto é o mais importante agora!
Recompensador. De fato, é o que é no final de tudo!
[2]
A dica é: no dia que vieres ao Rio, te convidarei a uma!
Bom domingo pra ti! Gosto quando vens!
Um beijo, meu jovem!
===
===
Mãe:
Lindona, transformar-se é uma necessidade, né?!
Então, ficarei aguardando pra te ver nas fotinhas!
Ficamos combinados assim? [rsrs]
Vou ver os e-mails.
Beijos todos teus!
Ah, Cora! Como me surpreendes!
Como me identifico num passo molhado de lágrimas!
“Entre pedras cresceu
a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores”
_____________gracias, madrezita!
===
Olá, a minha maior alegria é entrar por aqui e ler isso que acabei de ler, devo lhe dizer do meu imenso prazer em entrar no seu blog e ver um post tão interessante... e o engraçado é que ando meio por aí, me reinventado... achei 30 anos de minha vida que eu era aquilo que me falavam, e hoje, nossa...sei que sou eu, eu sou eu, e acredito, muito melhor... e o mais engraçado são as pessoas falarem que tenho 26 anos, que estou melhor... vamos ficar "nus", olhar para dentro, quando as pessoas descobrirem o que é se conhecer, se aceitar...como vamos melhorar, o mundo vai melhorar... muito obrigada pela ótmia leitura... vamos continuar passando pelo fogo!!! Beijos Roberta
Oi Cardo, tudo bem?
Adorei o texto, achei excelente. As mudanças e transformações em nossas vidas são algo necessários, pois somente dessa forma, podemos evoluir como seres humanos. Mas é importante ressaltar, q devem ser feitas aos poucos, pois nada de forma brusca, trará as mudanças q tanto almejamos em nossas vidas.
Bjo
:)
Postar um comentário