sábado, 27 de março de 2010

Lembro-me como se fosse ontem...

Sua composição poética me fascinava na adolescência. Não que não me fascine mais, mas naquela época tudo tinha um outro sabor. O sentido tão forte envolto nas palavras, seus significados como leituras da nossa alma, o tom que ele emprestava a cada em-TOM-nação, tudo isso me compunha um misto de admiração e perplexidade. Era assim que me sentia ao ser absorvido pelas canções de Renato Russo. Hoje, exatamente hoje, no dia que o teatro e o circo festejam a data em suas comemorações, nosso poeta rock n’ roll completa 50 anos. Sim, diante dele o verbo faz sentido é no presente! Ele completa – e não completaria – cinquentinha porque antes de qualquer coisa não morreu, sequer foi enterrado ou cremado, como queiram os exigentes com suas canções!

Sua mensagem se entrelaça a história de uma geração ao estilo ‘coca-cola’, como ele dizia. Anos oitenta, muita coisa estava em [re]construção. “Diretas Já”, por exemplo, tinha ocorrido há menos de um ano quando nasceu o primeiro álbum da “Legião Urbana”. O cenário social era o de muitos questionamentos. A vontade era a de explodir uma revolução, mas não de armas, e sim de ideologias re-VITAL-izadas. “Que país é este?”, a gente cantava e se perguntava. “Tempo perdido” era mais um dos muitos questionamentos que nos fazíamos. E assim correram os versos de sua poesia pra dentro daqueles anos que me construiram a adolescência...

"Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto" foi outro exemplo de como me fez bem saber que havia luz naquilo que cantava. Aprendia como um bom pupilo os versos que me ensinavam, aconselhando: “Lembra e vê que o caminho é um só”. Sim, eu me debruçava sobre a letra devorando cada verso com a atenção devotada a uma prece. Chorei ao cantá-la muitas vezes. “Meninos e meninas” me fascinou de cara, pois me surpreendia saber que havia gente neste mundo cantando suavemente seus segredos mais íntimos sem se importar. Ca#&*lho! Sem se importar! Era o que queria pra mim: não me importar.

Mas eu ainda me importava com muita coisa, nem tinha maturidade suficiente pra bancar o preço de nada – ou quase nada. Verdade é que, não poucas vezes, eu me sentia um refém trancado pelo lado de dentro. Não havia em mim naqueles anos um desbravamento épico o suficiente pra realizar o gesto mais simples e mais extraordinário, que era me abrir para a vida. A minha própria, sem intervenções de qualquer natureza. No meu caso, como se não bastassem as corriqueiras no universo adolescente, o fardo da carga religiosa. Mas eu chorei muitas vezes com outras canções, como, aliás, ainda espero chorar ao som de muitas outras. Sou fiel à minha natureza deliciosamente humana. Fiel e feliz, diga-se.

“Hoje eu já sei que sou tudo que preciso ser, não preciso me desculpar e nem te convencer”, era o que diria hoje para aquele jovem iniciante, puro e sonhador que fui.

Na faculdade, em meio aos livros da biblioteca [naquele tempo a internet era artigo de luxo, o jeito era pesquisar nos livros!], arranhava um italiano insosso porém coberto de prazer para meu paladar musical. “Strani Amore” e “La Solitudine” iam e voltavam comigo, dentro do ônibus. Nariz grudado no vidro da janela, olhava absorto o ‘nada’. Em meio ao movimento do ônibus, cantava as canções de “Equilíbrio Distante”. Eu mergulhava no mais profundo dos meus sentimentos. Era delicioso [me] saber que ali naquelas canções eu encontrava mais sentido [pra não dizer Evangelho] sobre a vida do que nas mensagens que ouvia dos púlpitos.

Era um estudante cheio de sonhos quando ele partiu pra eternizar seus ricos versos em nós. Foi cremado no cemitério pertinho de minha casa. Eu não quis me despedir porque acreditava que um profeta jamais morreria. Ele era um dos meus profetas prediletos. Minha devocional neste início de sábado é a lição inspirada no capítulo 13 da primeira carta aos Coríntios, escrita em grego no 1º século, cantada em versos de Renato Russo nos muitos outros séculos à frente:

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos,
sem amor eu nada seria.
É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.
O amor é o fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos,
sem amor eu nada seria.
É um não querer mais que bem querer.
É solitário andar por entre a gente.
É um não contentar-se de contente.
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade.
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata a lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem
todos dormem todos dormem.
Agora vejo em parte.
Mas então veremos face a face.
É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua do anjos,
sem amor eu nada seria
.

Parabéns, Renato, profeta renascido dos versos que me construíram homem, humano, cidadão, poeta, proseador, sonhador e alguém de fé na vida! “Olho pra trás, lembro-me como se fosse ontem. Não tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo. Temos todo o tempo do mundo...”.

Não repare nas minhas lágrimas, mas é exatamente nisso que penso-rezo-oro-acredito! Axé, shalom, amém e amém!


Notas de rodapé:

[+] Marcinho Retamero, meu amigo de caminhada, como foi lindo e surpreendente ver [mais uma vez!] que temos a mesma sin-TOM-nia. Sem nos confessarmos nada, escrevemos sobre o mesmo profeta com muitas impressões semelhantes! Seu artigo me emocionou!

[+] Fiquei mais saudosista de ontem pra cá. Sei lá, recordar me dá este sentimento revisitante dos meus baús. Piorou um pouco depois de ter assistido às maravilhosas Nathália Thimberg e Rosamaria Murtinho em "Sopros de Vida", no teatro CCBB.


16 comentários:

Hugo de Oliveira disse...

Belíssima homenagem amigo...o Renato, sempre será lembrado por nós.


abraços


Hugo

Homem, Homossexual e Pai disse...

Realmente o Big Brother não me emociona, acho uma babaquice este tipo de programa e acho uma certa forma de sadismo as pessoas ficarem assistindo á tortura... física e psicológica ...de outras pessoas.
Mas, é hora de eu me envolver! O paredão de eliminação de hoje é entre Dimmy Kier (DiCesar) e o ultra-homofóbico declarado DOURADO! Um cara totalmente escroto e ignorante, que chegou até a dizer que homens heterossexuais não pegam AIDS! Num verdadeiro des-serviço á saúde pública.
Alguém tem dúvida de quem usaria melhor o dinheiro?
Precisamos eliminar este cara! Entre no site da GLOBO.com e vote! Vote até cair seu dedo! Vote até acabar seus créditos! Vote até sua conta de telefone estourar! Se o Di ganhar vai ser um recado para MUUUUUITA gente!

Mãezinha Anna Maria disse...

Filho, boa noite!
Antes de vir ver se havia algo novo em seus farelos, eu estava copiando algumas músicas em italiano do Renato Russo, pois hoje ele completaria 50 anos de vida e eu queria mandar para você alguma coisa dele.

Sempre admirei ele por ser verdadeiro e por assumir a sua homossexualidade. Isto me emocionava muito ao ver tanta sinceridade e tanto amor...

Na segunda-feira passada o meu professor de italiano levou algumas letras de músicas do Renato Russo, em italiano, para aprendermos e quando li no seu blogger, vi que uma delas era a que você citou e eu tenho a letra.
Uma delas, é esta:

STRANI AMORE

Mi dispiace devo andare via
Ma sapevo che era una bugia
Quanto tempo perso dietro a lui
Che promette e poi non cambia mai
Strani amori mettono nei guai
Ma, in realtà, siamo noi

E lo aspetti ad un telefono
Litigando che sEi libero
con il cuore nello stomaco
Un gomitolo nell'angolo
Lì da solo, dentro un brivido
Ma perché lui non c'è

E sono strani amori che
Fanno crescere e sorridere
Tra le lacrime
Quante pagine lì da scrivere
Sogni e lividi da dividere
Sono amori che spesso a questa età
Si confondono dentro a quest'anima
Che si interroga senza decidere
Se è un amore che va per noi

E quante notte perse a piangere
Rileggendo quelle lettere
Che non riesci più a buttare via
Dal labirinto della nostalgia
Grandi amori che finiscono
Ma perché restano nel cuore

Strani amori che vanno e vengono
Nei pensieri che lì nascondono
Storie vere che ci appartengono
Ma si lasciano come noi

Strani amori fragili
Prigionieri, liberi
Strani amori mettono nei guai
Ma, in realtà, siamo noi

Strani amori fragili
Prigionieri, liberi
Strani amori che non sanno vivere
E si perdono dentro noi

Mi dispiace devo andare via
Questa volta l'ho promesso a me
Perché ho voglia di un amore vero
Senza te.

O interessante é que estamos aprendendo tantas músicas dele, em italiano, que me encanta a cada dia, a lígua italiana. São românticas e me fazem um bem muito grande.

Filho, se você puder, me mande o artigo do seu amigo e pastor Marcinho. Procurei no blogger dele e não consegui achar.

Tenho também a letra da música Cathedral Song em ingles cantada por ele, é linda demais.
Já tinha ouvido cantada pela Zélia Ducan, em português.

Meu filho, parabéns mais uma vez, pelo texto, me emocionou porque eu também tinha pensado em escrever algo para você sobre a data de hoje e acabamos entrando em sintonia.

Que Deus continue te enchendo de muita luz para que possas escrever sempre e que cada sílaba farelada, cada conjunto desses farelos venham fazer um bem muito grande nos corações de quem te lê.

Você continua muito especial para mim, sua mãezinha mineira que te ama muito, no amor Daquele que nos ama incondicionalmente.

Beijos maternos em seu coração.

Dil Santos disse...

Oi Cardo, tudo bem?
Menino, eu adoro Renato, a banda em si, eu acho o máximo, tem umas músicas lindas, fortes, marcantes.
Essa q vc citou é uma delas, acho perfeita ela.
Então menino, eu sempre estou inspirado, mas quando eu estou amando, tudo fica mais aflorado em mim, então já viu é? rsrs
Muita luz e que Deus nos abençõe.
Um bjo
:)

Mãezinha Anna Maria disse...

Quero deixar registrado aqui, em seus farelos, o meu agradecimento a esse homem maravilhoso que se foi tão cedo, mas que está vivo em muitos corações, RENATO RUSSO!

Deixo aqui a letra de uma música que amo escutar no meu MP e que é cantada por ele:

THE CATHEDRAL SONG

I saw from the cathedral
You were watching me
And I saw from the cathedral
What I should be

So take my lies
And take my time
Cause all the others, they wanna take my life

And I watch, with an intent, basic
It's the same for you
You hold your hand
And it's all fine - laced and
Would you make me do

So take My lies
And take my time
Cause all the others, they wanna take my life

Serious for the winter time
To wrench my soul
Whole cotton whole cotton ears
But I know there must be
Yes, I know there must be
Yes, I know there must be a place to go

Yes you saw me, from the cathedral
Well, I'm an ancient heart
Yes, you saw me from the cathedral
And here we are just falling apart

You catch me
I am tired
I want all that you are

And I saw from the cathedral
You were leaving me
And I saw from the cathedral
Could not see to see

So take my time
And take my lies

Mais uma vez, meu filho, meus parabéns pelo texto.
Beijos da sua e sempre mãezinha.
Anna Maria

[Farelos e Sílabas] disse...

===

Hugo:

É fato, amigo. Suas canções nos habitam.
Renato é vivo! ________abraços!

===

[Farelos e Sílabas] disse...

===

Homossexual e Pai:

Desculpe, de verdade, mas não me envolvo com isso! Explicarei os porquês:

Homofobia, eu luto junto a quem possa REALMENTE fazer alguma coisa. Ano passado, nas audiências públicas junto à Câmara e ao Senado, bem como na Assembléia Legislativa do RJ, viam-se poucos, bem poucos, querendo pôr a cara à tapa. É nessas horas que a SOCIEDADE (independente dos clichês) clama por participação e engajamento. Onde está? Onde estão? Eu sempre estou!

Como já me reportei anteriormente, discirno e distingo homofobia de ignorância com muito bom senso. Sei quando um caso se manifesta, bem como quando o outro se torna flagrante. Quanto ao programa de TV o próprio Ministério Público – constitucionalmente, o Guardião da Lei – já se manifestou tranqüilo, cobrando videotapes do programa, porém, sem encontrar algo que MANIFESTAMENTE tenha sido entendido como tipificação de delito.

E ainda que houvesse homofobia não me envolveria ‘votando ou deixando de votar’, mas sim cobrando das autoridades competentes o cumprimento das sanções legais. Meios não nos faltam! É o que penso. E antes que alguém reclame, asseguro humildemente que o que penso NÃO EXIJO que ninguém pense como eu! Liberdade TAMBÉM é para essas coisas...

P.S.: Cheguei em casa ainda há pouco. Soube que o tal participante dito vítima de ataques supostamente homofóbicos de outro foi eliminado pela votação DEMOCRÁTICA dos espectadores.

===

[Farelos e Sílabas] disse...

===

Mãe:

Eu ainda o admiro por muitas razões, a questão da sexualidade é apenas um detalhe ante a RIQUEZA de sua composição. Suas letras me falam como ecos de profecia!

Que bom que o italiano prossegue com criatividade em aula! Renato tem canções extraordinárias interpretadas nessa língua! A mãe deve saber, pois sei dos seus gostos... [rs]

Ah, sim, pra terminar: pra ler o artigo do Marcinho basta clicar na palavra “artigo” que coloquei em azul nas notas de rodapé. Na verdade, é um link que te levará à coluna que ele tem no site ‘A Capa’. Tente outra vez, tá bom?!

Sintonia é algo que só o coração explica! Beijos daqueles GRATOS!

Sempre!

===

[Farelos e Sílabas] disse...

===

Dil:

Oi, meu menino! Tudo bem?
Quer dizer então que o coração anda em festa?
Que bom! Isso é o que REALMENTE importa!
Temos todo o tempo do mundo pra sermos
Sempre e sempre e sempre FELIZES!
Outro beijo! Bom domingo!

===

SERGIO VIULA disse...

Renato Russo é a síntese mais gostosa de desejo, arte e política! Amo esse cara!

Parabéns pelo lindo texto!

Você é F.!

Beijo,
Sergio Viula
www.glsgls.blogspot.com

Mãeznha Anna Maria disse...

Filho, passando para te desejar um domingo abençoado e também para agradecer, de coraçãp, como faço para pegar o artigo do seu amigo e pastor Marcinho Retamero.

Já copiei em minhas mensagens e imprmi para depois ler com calma.

Fiquei emocionada pela rapidez da sua resposta, rsrsrs...

Um beijo repleto de ternuras maternais.
Mãezinha.

[Farelos e Sílabas] disse...

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Serginho:

Eu amo esses caras! Renato e Viula!
Uma divergência, porém: “F.” é meu pai.
Eu sou F.-inha! [rs]
Beijo, A-M-I-G-O!

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[Farelos e Sílabas] disse...

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Mãe:

Smack! Beijossss, minha gostosona de mãe!

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Júlio Castellain disse...

...
Perfeito, meu camarada.
Renato Russo (e a sua Legião Urbana) marcaram também a minha vida.
A saudade é imensa.
Mas meu violão continua a tocar suas músicas. E diziam que eu só sabia tocar Legião. rs... e Daí?
Abraços.
...

[Farelos e Sílabas] disse...

===

'Daí', Júlio? Daí nada. Toque na vida as canções dele, se possível, se quiser, toque na companhia do violão também! Produza um sonzaço, meu camarada!

Abraços ritmados!

===

dyra disse...

Na net a gente encontra muita coisa boa. Nao me pergunte como cheguei ate seu blog. A verdade e que fiquei encantada e de certa forma curiosa com seus gostos, tanto de filmes como das musicas... e tudo que que mais gostei ate agora. Vc me pareceu jovem e com certeza nao deve ter visto horizonte perdido, lindo filme, tenho certeza de que ia gostar. Infelizmente nao sou mais aquela leitora de outrora, mas os livros ainda continuam a me seguir nessa caminha-vida. Parabens port tudo e abracos ternos.

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