Sabe quanto tempo um plástico dura pra se decompor? Não sei dizer exatamente, mas é coisa de séculos! A resistência do material frente às intempéries e a todas as demais formas de erosão natural é algo que me chama a atenção. A coisa dura porque é resistente. E é resistente porque sua constituição – aquilo que realmente é desde o âmago! – favorece a integridade do material por anos e anos.
Nesse calor de matar carioca, tão acostumado aos quarentinhagraus dos verões, não tenho outra alternativa senão me refugiar nos pensamentos. Eles me refrescam. É a explicação. Fico mergulhado em mil pensamentos sobre a descartabilidade e a resistência nas relações – qualquer uma, desde que humana – enquanto giro lentamente a garrafa de água mineral nas minhas mãos. O plástico, a sua textura e sua utilidade me inspiram numa série de vaivens de idéias e de algumas projeções também. Eu mesmo queria ser assim, mais resistente às intempéries por natureza. Mas não sou. Isso é bom, não chega a ser ruim. Saber que, diferentemente das garrafinhas de água mineral, preciso desenvolver meu potencial para criar possibilidades e assim caminhar por elas, acaba me pondo no meu eixo original. Ser humano é reinventar-se, é renascer a cada inconstância, é desabrochar sem perder a gana de florescer, tenha ou não tenha mais primaveras na estação. Acho que o eixo se equivale a tudo isso...
Mas nem tudo que é plástico é garrafinha. A maior prova disso está no mundo das virtualidades, o universo pra dentro do qual o limite de uma relação está a um toque dos dedos. É pelos caracteres que o programa impinge na tela que muita gente constrói seus encantos e suas muralhas. Eu, por exemplo, que sou forte, gostoso, acabei de pintar meus olhos de azul (baratinho, baratinho, graças ao photoshop!) e retocar uma dezena de imagens só pra ficar com peitoral definido, cabelinho empinado em gel e óculos rayban. Tá vendo só!Eu me pegaria, caso me desse mole. Olhando para as imagens, a imaginação instiga a curiosidade. Não agüentei e acabei pegando MSN e facebook da criatura, no caso, eu mesmo (ou o “suposto eu”). Não poderia perder a chance de ficar comigo mesmo, justifico-me. Depois que me vi de cuequinha branca numa pose pra lá de sedutora, as cabeças pensaram ao mesmo tempo e a uma só velocidade: deve ser um tesão na cama! ‘Quero você!’, me disse a mim mesmo num bate-papo pelas madrugadas. ‘Você é um carinha raro, tudo o que sempre esperei!’, reafirmei pra parecer mais convincente. Não é que deu certo!? Marcamos nosso primeiro encontro neste final de semana! Tudo transcorreu conforme o ritmo dos processos que nós mesmos construímos, alguns mais sagazes nessa caçada; outros, menos. E, casos mais raros, alguns mais ingênuos e românticos demais, coisas fora de moda na vanguarda dos relacionamentos plásticos. Que tolice! “Un non-sens absurde”, me diria a perspicaz Simone de Beauvoir. Obviamente tudo isso não passa de uma ficção pra lá de absurda. Por outro lado, absurdo ou não, a gente vai plastificando nossas relações {e nossos relacionamentos} à medida que adere esse ‘modo de existir’ como estanque às carências photoshopadas. Nem sempre somos água mineral, somos garrafinhas plásticas mesmo!
Hoje, esperando um carro na rua, encontrei-me com Fernanda. Nome fictício, claro. Não somos amigos, mas nos tornamos muito próximos pelas razões do dia a dia: a gente mora no mesmo bairro, temos vários amigos em comum e costumamos pegar ônibus juntos. Conversa vai e vem, ela me pergunta se poderia tirar uma dúvida sobre questões de direitos de herança e doação de imóvel. Tiradas as dúvidas, me conta sobre o desejo de fazer testamento em prol de sua companheira de vinte anos de relação. Explicando-lhe sobre direitos homoafetivos, nos ativemos ao ponto crucial de todos aqueles relatos: o carinho, o respeito e o companheirismo, fruto daquele amor que ardia duas décadas depois de iniciado. Tem segredo?, quis perguntar, mas desisti pela certeza da resposta que é particular de cada um. Cada um precisa saber, no mínimo, se está disposto a um relacionamento que mostre a cara {e o coração!} sem photoshop. “Sabe qual o segredo?”, ela me perguntou para surpresa de minha discrição. Gostaria de saber, respondi. “É saber que uma igualzinha a que eu tenho não encontrarei mais!”, resumiu na sua poesia de valor.
Claro que não iria esmiuçar aquela história, até porque não sou psicanalista nem teria razão pra fazê-lo mesmo que o fosse. Precisei saltar antes dela, acabei me despedindo e felicitando-lhe pela certeza de ter encontrado alguém de verdade, de carne e osso, de pele cansada e olheiras nas noites mal dormidas, de coração pulsante nas euforias e nos limites da emoção, de acertos e de equívocos que ultrapassam o desejo instintual numa madrugada e o frisson dos gemidos paridos nos vaivens dos quadris. Na pressa, na hora de saltar, esbarrei e deixei cair a garrafinha de água mineral. Ela se adiantou, segurou e me devolveu. “Cuidado pra não cair de novo!” E completou em seguida: “É assim que digo pra mim mesma quando estou nos braços da mulher que escolhi pra amar!”. Hã? Como assim? “A gente cai em tentação todo o dia, mas não é por isso que eu vou largar meu investimento mais seguro, a minha vida!”, filosofou. Ela é a sua vida?, perguntei só pra questionar. “Não, eu é que não encontro vida, vida de verdade, longe do prazer da companhia dela!”. Sorri. Saí com a garrafinha vazia mas com os pensamentos mergulhados em mil idéias. Alcei voo numa certeza enquanto atravessava a Avenida Passos, no Centro. Amores de plástico não matam a sede durante toda a estação. É preciso ser água mineral pra nós mesmos e para os outros. Com ou sem gás? Ah, isso já dá pano e letra pra uma nova crônica...
Nesse calor de matar carioca, tão acostumado aos quarentinha
Mas nem tudo que é plástico é garrafinha. A maior prova disso está no mundo das virtualidades, o universo pra dentro do qual o limite de uma relação está a um toque dos dedos. É pelos caracteres que o programa impinge na tela que muita gente constrói seus encantos e suas muralhas. Eu, por exemplo, que sou forte, gostoso, acabei de pintar meus olhos de azul (baratinho, baratinho, graças ao photoshop!) e retocar uma dezena de imagens só pra ficar com peitoral definido, cabelinho empinado em gel e óculos rayban. Tá vendo só!
Hoje, esperando um carro na rua, encontrei-me com Fernanda. Nome fictício, claro. Não somos amigos, mas nos tornamos muito próximos pelas razões do dia a dia: a gente mora no mesmo bairro, temos vários amigos em comum e costumamos pegar ônibus juntos. Conversa vai e vem, ela me pergunta se poderia tirar uma dúvida sobre questões de direitos de herança e doação de imóvel. Tiradas as dúvidas, me conta sobre o desejo de fazer testamento em prol de sua companheira de vinte anos de relação. Explicando-lhe sobre direitos homoafetivos, nos ativemos ao ponto crucial de todos aqueles relatos: o carinho, o respeito e o companheirismo, fruto daquele amor que ardia duas décadas depois de iniciado. Tem segredo?, quis perguntar, mas desisti pela certeza da resposta que é particular de cada um. Cada um precisa saber, no mínimo, se está disposto a um relacionamento que mostre a cara {
