Há algumas semanas atrás cheguei a comentar sobre uma palestra que daria enfatizando a percepção dos significados do Evangelho nas letras de Renato Russo. Não tenho como descrever os detalhes nas intenções do post de hoje. A coisa vai para além das palavras. É preciso sentir a vida nas nuances dos versos. Posso adiantar que todos trocamos experiências e fomos capazes de aguçar o sentido das coisas pela mudança radical no nosso pensar. Concluímos que o despertar diante do ocaso da vida se revela a partir de um novo pensar. Penso que Renato Russo viajou bem mais profundo que a nossa leitura de seus versos. Há uma certeza primordial que encharcam seus versos: a de nos sabermos aprendizes na Vida (que pra mim é diferente de ‘vida’ com vê minúsculo, o que seria mera existência biológica). Quem duvidará disso ao escutar “Vento no Litoral”?
Quem assistiu ao musical “Hair” sabe que é preciso “let the sunshine in”, pois é somente quando os raios do Sol entram é que os desdobramentos de um novo pensar produzem bons frutos de mudança. Não estou dizendo que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, embora, se você parar pra pensar, na verdade, não há outro caminho que desemboque em respeito, justiça e paz. Digo, no entanto, que é imperioso dar-se chance para um novo pensar, um pensar mais aberto, mais cristalino, sem vícios e resistências de qualquer natureza. Mas, é claro, que isso implicaria numa mudança, a nossa, a partir das raízes. Num contraponto com os ensinos do Cristo, debruçamo-nos sobre a constatação de que aquele caminho foi-continua-sendo tão mal compreendido. E tudo isso porque o transformaram no discurso de adesão à religião e aos seus partidos. “Os caras”, os que resistem ao laicismo do Estado, diminuíram a beleza do que é simples em manuais de conduta baseados em leis morais de podes-não-podes. É contra tudo isso que eu mesmo me insurgi há alguns anos atrás. Tornei-me um semeador no meu próprio caminhar. Plantei minhas verdades nos acordes da alma. Colhi seus frutos e ainda os colho na mesma alegria de homem-menino buscador. Um desses frutos é a certeza de que mudanças radicais, aquelas que são capazes de nos elevar em sinfonias impregnadas de nossos cheiros e que podem de fato mudar um caminhar, ocorrem dentro de nós, não nas pedras, nas tábuas ou pelas doutrinas...
A musicalidade na existência só faz sentido quando meus olhos estão afinados aos seus acordes mais verdadeiros, promovendo graciosamente o benefício da liberdade para semear e semear e semear o Bem que eu apenas carrego, mas não possuo. Ele é livre como o vento!
Em meio ao processo de semeadura – e aqui não sistematizo nem o processo em si, mas apenas o identifico como parte integrante de mim como o transpirar, o sorrir e o fabricar versos – vou sentindo de perto os ventos da alma humana. Às vezes, encontro mais que isso. Sinto a fragrância de uma ‘boa notícia’ [literalmente “Evangelho”, ευαγγέλιον no grego], a do amor que embala a vida com ninhos de presença. Falei de Renato Russo, mas também falei de Hebert Vianna, outro que me inspira pelas letras codificadas de bom norte para meu caminhar seguro.
Eu sou mais uma dessas pessoas que chegam e se fincam no Cais de Porto dos versos de "Lanterna dos afogados" como se fossem barquinhos. Aproveitando os versos de Daniel Lobo com quem ontem jantei palavras e me embuchei de versos os mais lindos, compartilho que também “trago no peito meu Porto Seguro, contorno a boca com lápis escuro e brinco, eu quero recolher as âncoras, puxar as cordas, eu quero é navegar por entre as estrelas e tocar o azul da lua e sonhar...”.
Não tenho medo de mim mesmo, ainda que nem me conheça em todas as estações. Estou ocupado no processo frutificador, de olho no sabor da polpa e no pipocar dos brotos no caule do ser que se renovam como esperança e certezas. Mas sou orgulhosamente humano, o que vale dizer, sou flor, sou fruto, mas também sou caule, sou quebradiço, sou incerto, sou barquinho no meio dos mares... dos mares-de-mim... dos mares... É por isso que não corro atrás de elogios; aliás, não tenho alma ameninada pra isso. Sou um homem inteiramente homem, pleno de defeitos e limites como diz "Ao coração", outra canção que me inspira e me seduz ao aprendizado:
“Nem sempre sei fazer o bem que eu desejo
e, às vezes, eu me vejo me enganando sempre mais
não que eu não queira acertar, mas nem sempre é possível
Humano eu sou assim: virtudes e limites
se agora me permites eu pretendo ser feliz
sem prender-me ao que não fiz,
mas olhando o que é possível”
Nesses últimos dias andei falando por e-mail sobre acordes, sinfonias e sobretudo sons. Gosto de me ouvir, mas fato é que deveria gostar mais. Talvez acordasse para todas as possibilidades que me são oferecidas. Distraído que sou, sobretudo em algumas áreas, nem sempre percebo o que diante de mim está. Os sons na vida são os acordes que, literalmente, dão sentido nas notas mais particulares que carrego. Estes sons, juntinhos, se transformam num conjunto de notas a-FIM-nadas e outras apenas iniciadas, inexperientes, em profundo estado de gerundismo latente. A minha sinfonia é assim, nem simples nem complicada. É alguma coisa muito parecida comigo.
Em meio a tudo isso, não tenho do que reclamar. E por que reclamaria? Bobagem pensar assim. Onze horas da noite e eu assistindo tevê. Zapeando por um e outro canal, ouço "Tocando em frente" nos versos de Almir Sater. De repente, os sons invadem o ar e se achegam pra dentro das minhas janelas. Há um silêncio no meu peito que se desmorona em sentimentos devocionais. A musicalidade que me habita faz orquestra nos córregos da emoção. A música tem pra mim essa capacidade de me apontar o Belo na vida na linguagem mais simples. Entro nas juntas mais profundas dos acordes e avisto minha história musicada. As notas seguem com essa percepção e valseiam entrelaçadas às minhas verdades mais íntimas...
Sussurrando a canção [na letra inserida na imagem acima], descubro-me na percepção dos versos tecendo meu sentir-viver-sonhar. Literalmente, ando devagar porque já tive pressa. Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei. E nada sei para além de mim mesmo, um ser humano inacabado. Hoje sorrio com ‘ene’ possibilidades diante das minhas janelas. Quero-as pra mim. Todas elas, cada uma a seu tempo. Eu as convido pro meu regaço, vem!
Notas de rodapé: Tava com saudades de vir aqui, abraçar as palavras e fazer amor com seus significados. Ando ultimamente precisando ouvir mais sons, abrir as janelas, fecundar terrenos férteis, essas coisas...
Pela ordem, as imagens são de minha autoria e seguem com referências a versos cantados: excetuando-se a primeira, a segunda imagem possui versos de Renato Russo em “Ventos no Litoral” e créditos de imagem para André Bernardo em “Oh Fascination”; a terceira imagem possui versos de Hebert Vianna em “Lanterna dos afogados” e a última imagem possui versos de Almir Sater em “Tocando em frente”.
No dia em que se celebra, além da Inconfidência Mineira, a grata lembrança de um movimento iluminista porém acovardado pelos seus cabeças, à exceção do alferes Joaquim José da Silva Xavier, faço dos versos extraídos do poeta Virgílio (“Libertas Quæ Sera Tamen”), até hoje expostos na bandeira mineira, meu canto de aprendizado para o dia a dia. E não apenas isso, mas também parabenizo os 50 anos de Brasília e, como não poderia deixar de ser, homenageio a cidade com beijos enviados aos três sobrinhos nascidos por lá, Tiaguinho, Felipinho e Rodriguinho!
18 comentários:
Meu filho, RICARDO.
Já passa de meia noite... Acabei de enviar uma carta imensa para um endereço longe, mas pelo avanço da tecnologia,vai chegar rápido.
Ia desligar o PC quando resolvi correr nos "farelos e sílabas" e ver se tinha coisa nova por ela.
Qual foi o meu espanto?
Lá estava um maravilhoso texto com vários comentários, inclusive sobre uma palestra dada a respeito dos significados do Evangelho nas letras de Renato Russo.
Realmente, deve ter sido lindo demais, e como gostaria de tê-lo ouvido, como amo te ler.
Você está certo em querer falar do Renato, do Hebert e de muitos outros que já se foram, mas continuam vivos no coração de quem realmente sabe o que é AMAR!
Não tive pressa de ir dormir, queria ler mais e mais para que o bálsamo das suas letrinhas, acalmasse mais o coração da mãe.
Você falou um pouco das comemorações do dia de hoje. Eu liguei para o Chico e família, pois hoje Brasília completa 50 anos. Eles não nasceram lá, mas amam Brasília.
Quando li "Tava com saudades de vir aqui, abraçar as palavras e fazer amor com seus significados. Ando ultimamente precisando ouvir mais sons, abrir mais janelas, essas coisas..."
Que coisa mais linda filho e de uma verdadeira sintonia, pois eu enquanto te escrevia, pensava mais ou menos isto: Eu também estava com saudades de botar prá fora o que está me incomodando e foi o que fiz em sua cartinha que já deve estar chegando... Ela não demora, mas tenho certeza que será lida demoradamente e compreendida também.
Filho, mais uma vez eu te admiro, louvo a Deus pela sua vida (com vê minusculo) e peço a Ele que continue sendo Vida em sua vida...
Um beijo com todo respeito, na sua bochecha.
Sua mãezinha mineira que te ama muito, ANNA MARIA
Realmente impecável esse seu transe com as letras, esse post enorme traduz mais verdades do que você acredita ter escrito. Você colocou, amor, fraternidade, paixão e por fim sensualidade a tantas sílabas deistribuidas em linhas da vida, da nossa vida que gira na maiorias das vezes pelas letras musicais.
Abraços
Filho querido, no comentário anterior era para eu colocar um pedido e acabei me esquecendo.
Lembra que você me disse que depois da segunda palestra que você enfatizou a percepção dos significados do Evangelho nas letras de Renato Russo, você me contaria como foi? Pois é, estou ansiosa por ouvir ou ler o que você disse, tim-tim por tim-tim.
Neste texto que você escreveu não deu para colocar, pois como você mesmo disse:
"A coisa vai para além das palavras. É preciso sentir a vida nas nuances dos versos. Posso adiantar que todos trocamos experiências e fomos capazes de aguçar o sentido das coisas pela mudança radical no nosso pensar."
Deve ter sido maravilhosa, todas as duas palestras, ainda mais sendo ministrada por você que é sábio e tem sempre certeza do que vai falar.
Se tiverem gravado, pois hoje é tão normal gravar tudo, eu gostaria de ter uma cópia.
Se não, o dia que você tiver uma folguinha, (o que é difícil) eu ligaria para você, assim me contaria em detalhes, do jeitinho que você gosta.
Tudo, tudinho que você escreveu neste "post" foi simplesmente maravilhoso.
Parabéns e que Deus continue te dando muita sabedoria para você continuar escrevendo, sempre.
Um beijo grande no seu lindo e amável coração.
Su madrezita que te ama mucho.
Anna Maria
Renato russo era um poeta e tanto. ele tinha a habilidade de nos fazer crer que seus versos foram inspirados na gente mesmo. O muiscal Hair, tb é maravilhoso, eu sei de cor as letras de todas as música, ou quase todas, ou penso que sei, pois qdo eu era adoslecente assisti um milhão de vezes no VHS.
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Oh, atualizei O Vingador de Lampião (PARTE 5) Aguardo seus comentários.
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Abraços
Vento no litoral é uma musica que consegue fazer doer com força... A melodia e a letra ou a letra e a melodia fazem uma fusão de sentimentos, tons, brisas, choro sufocado, amor, paixão... Uma fusão de coisas derramadas nevitavelmente rosto afora...
Outra letra do Renato que cabe uma analogia é:
"Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim..."
Abraços no litoral meu amigo!
Filho, dádiva de Deus na minha vida!
Tive que voltar para dizer que ao receber estes versos de Guimarães Rosa, escrito no Jorna Opinião que recebo semanalmente, senti um desejo imenso de dizer que me tocou no profundo da minha alma...
Você vai entender porque, e de tão verdadeiro deixo aqui para você e para todos e todas que visitam seus farelinhos, tão lindos!
"Pessoalmente, penso que chega um momento na vida da gente em que o único dever é lutar ferozmente para introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de 'eternidade'. Rezo, escrevo, amo, cumpro, suporto,vivo - mas só me interessando pela eternidade"!
Guimarães Rosa.
Um beijo, meu lindo, e que Deus continue trabalhando em sua vida, te dando sabedoria, e te fazendo a cada dia, essa pessoa maravilhosa, cheia da Graça.
Mãezinha
Certas musicas são quase, com o perdão da comparação, como 'orar em linguas', e seus significados nem sempre são exprimíveis.
Ai tem tradutores, como tu, que vem trazer um pouco de discernimento.
Perolas aos porcos? NÃO! Isso deve ser missão!!
Abraço!
Oi Cardo, tudo bem?
Menino, Renato Russo fazia cada música belíssima mesmo, algumas com sentindo bíblico que deixava as suas letras mais intensas.
Adoro as músicas deles, rs.
Recebi o abraço, foi muito bom, estava precisando rsrsrs.
E vc sumiu heim? Tá me devendo algumas visitas menino, rs
Um bjo querido
:)
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Mãe:
Pois, então, querida, as percepções ou, como disse, o tim-tim-por-tim-tim, seguirá por e-mail. É que ficaria demasiado longo tentar explicar como tudo ocorreu. Mas posso adiantar que sou um aprendiz. Aprendi mais do que supunha!
E assim vamos caminhando, em plena consciência que o Sol tem batido na janela do quarto. Portanto, não nos esqueçamos:
“Lembra e vê. O caminho é um só!”
A caminhada é que tem os aspectos de nossa individualidade. Só isso.
Beijos grandes!
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Gilson:
Cara, sinto tua sensibilidade pelas cores das tuas palavras! Você consegue respirar os odores dos significados só pela leitura, o que é formidável!
Meus abraços seguem musicados, em tons afinados!
P.S.: Desculpe a demora na resposta, ok!? Isso vale para todos os demais comentários aqui registrados!
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Fabrício:
Um poeta fabricante de sons os mais nossos!
Um cantador de emoções em forma de versos!
Um observador – como convém aos poetas – crítico da realidade!
Legal saber mais sobre tua história e sentimentos!
Vou dar uma passadinha pra ver a continuidade daquela saga!
Abração, meu caro!
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A V I S O:
Caríssimos, voltarei para responder os demais comentários, ok?
É que o horário de almoço é tão curtinho, há tanta vida lá fora, aqui dentro, sempre, como uma onda no mar...
Voltarei nela, na onda! E fabricarei mais respostas aqui do lado de dentro!
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V
O
L
T
E
I
!!!
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Robson:
Rapaz, bom é lidar com gente que mergulha pra dentro das letras, que consegue se banhar nos seus significados mais intimistas... pois, é. “Índios” é outra daquelas bem proféticas, diria.
Recebo no meu cais, os [teus] abraços!
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Mãe:
Olha, olha!
Guimarães Rosa vestido de letras impecáveis!
Obrigado pelo carinho-presença!
Outro beijo, minha lindona!
P.S.: Hoje é seu dia, né? Beso, Madrezita!
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João:
Não há o que perdoar, a vertente das nossas impressões mais verdadeiras fazem as comparações, por serem “pares” mesmo. E tudo aquilo que é gerado em verdade, in-SÊMEN-ado em amor, acaba tendo essas conotações sublimes. Assim é a letra de uma canção com raiz-caule-folhas!
Missão. Isso!
Um abraço gerado aqui dentro! Pra ti, rapá!
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Dil:
Meu baiaininho, saudades daquelas!
Vou te explicar o sumiço no comentário do post mais recente, ok?
Beijão, meu amigo!
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Ola ^^ Adorei o blog, rsrsrs, só que para a mim a musica inspira dança, na verdade foi em busca de ideias para ela que encontrei seu blog! Acho que só quem dança sabe o que é, mas sempre que ouço muiscas como as que colocou no seu post, vejo coreografias se desenvolvendo corpos em movimento traduzindo com o corpo o que vc fez com palavras.... Amei seu blog ^^
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